Em “Totem e Tabu”, Sigmund Freud apresenta um dos aspectos da teoria da psicanálise que é a idéia de assassinato do pai. Segundo ele, na vida psíquica das pessoas, existe um momento em que é necessário que se mate a figura do pai simbolicamente. A partir daí é que começaria a vida adulta, quando você mesmo é capaz de compreender as regras do mundo e segui-las. A repressão paterna é o ensinamento de como se portar diante de um mundo que já existia antes do nosso nascimento.
Talvez o rock tenha sido um dos meios mais conhecidos de as crianças de hoje passarem para a vida adulta do amanhã. Quando o rock surgiu nos anos 50, era considerado subversivo. Levava os adolescentes ao delírio, quebrando antigas regras morais e estabelecendo um novo tipo de cultura jovem. Não foi diferente nos anos 60, com as canções de protesto, a psicodelia e a revolta em geral que a música transmitia. A frase “não confiem em ninguém acima dos 30 anos” mostra como eram tensas as relações entre as gerações, os pais e os filhos. O punk pode ser visto nessa mesma chave. Um movimento musical jovem sobretudo, não tão infantil como o rockabilly, não tão político como os “hippies”. Certamente desejoso de “matar os pais”, o punk procurou chocá-los, furando os narizes e rasgando as roupas da juventude das classes média e operária.
Em todos os casos acima, o ímpeto de autonomia dos jovens arrefeceu. O mundo passou a ser deles, a música – antes tão agressiva e avessa à regras – virou um negócio, um padrão, uma ganha-pão. O punk, o rockabilly e o hip viraram estilos a serem consumidos em lojas de roupas e discos.
Dito isso, vou me contradizer. O punk, para mim, foi o único que escapou da “caretização”, de alguma forma. Talvez por ser mais recente ou mais próximo da nossa realidade do que os outros dois. O espírito dessa época nunca esteve tão vivo como hoje. Darei-me ao luxo de dar apenas uma prova: Alec Empire.
Dê um jeito de ouvir dois discos antes de ir adiante no texto: Futurist e 60 Second Wipe-Out (este da banda Atari Teenage Riot, que Empire lidera). Se não puder, espero que fique com vontade de ouvi-los para entender do que estou falando. O punk está vivo, caros amigos. Deve ter um outro nome agora, mas é como se os Sex Pistols e os Ramones tivessem seus dezenove anos ainda, mas fizessem música eletrônica.
Empire preservou a raiva e a vontade de achar um rumo dos punks e as traduziu em faixas que mesclam batidas eletrônicas pesadíssimas com guitarras cruas e esgarçadas. A sensação é a de que o mundo será destruído a qualquer momento. E não será o pandemônio analógico-digital das bases das músicas dos dois discos que trará a ruína, mas sim todos nós. Empire capta o sentimento de desorientação trazida pela rotina estressante e confusa do século XXI e grita para ser ouvido. Não grita desesperado, mas movido por desespero, abastecido pelo absurdo de tanta informação, raiva, velocidade e poucas certezas. Ele clama por ação política também. Quer a revolução, mas não aponta caminhos fáceis, não dá as respostas; grita o que vê e sente. Alec Empire não pretende se tornar a voz de nenhuma geração. As inseguranças que todos sentimos é também dele.
O mundo é desconfortável, grande, diverso, quebrado em milhares de pedaços. Os “nossos pais” tentam simplifica-lo em terroristas e bons, desenvolvimentistas e vendidos ao capital externo, drogados e gente de família, putas e moças direitas. No fundo, sabemos que não é assim, mas escolhemos costurar mundos simples e diretos, sem nuances. Alec Empire não quer deixar que isso aconteça.
Ouvir sua música exige grande esforço. São muitos fragmentos de som ao mesmo tempo, muita agressividade que nem sabíamos que estava dentro de nós. Somos homens civilizados à beira de um ataque (de nervos e aos outros homens) e não vemos isso. Alec sabe disso e quer ser como os punks, a pulga atrás da orelha dos nossos futuramente falecidos pais.
:: postado por Diogo BarbaRuiva - eugarimpo@hotmail.com
17 janeiro, 2007
Matou os pais, gravou um disco e foi ao cinema
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