26 março, 2007

Buraco negro da música



:: Diogo BarbaRuiva

Começarei meu texto enumerando os erros que cometi durante o relato que se seguirá. Maiores explicações virão junto com a narrativa cronológica dos eventos. Primeiro erro: pensei demais em mim, e não nos outros. Achei que sozinho eu conseguiria me conectar com todos os que encontrei, fossem amigos, conhecidos ou outros. Em nenhum minuto parei para considerar se o que eu gosto tem alguma relação com o resto do mundo. Formalismo reducionista de uma igualdade abstrata. Viajei na maionese.

Segundo, mesmo percebendo o fracasso iminente não dei o braço a torcer. Tudo apontava para o desfecho que veio de fato, mas eu segui em frente sem interpretar o ambiente. Fiquei sozinho o tempo todo. Pois claro, eu estava satisfeito comigo mesmo. Eu não estava ali para mais ninguém. Pirei na batatinha.

Por fim (quanto aos erros), uma coisa que eu deveria ter feito no começo da lista e no começo cronológico da história: respeitar os outros, ou, como na antropologia, exercitar minha alteridade. Esse foi o principal dos erros, ele deixou que toda a cadeia que se desdobrou existisse.Falando claramente: neste último fim-de-semana fui convidado a discotecar em uma festa. Um amigo meu, ouvindo meus CDs de Ronnie Von e Erasmo Carlos (e confiando no meu vacilante bom-senso), achou que seria uma boa idéia que eu inaugurasse a noite de mais uma festa de arromba em sua república, coitado! Fiquei muito entusiasmado e aceitei na hora, apesar de não ter experiência alguma no ofício de ser DJ. Seria minha primeira vez. Fui formando um projeto mental da set list, que não por coincidência era muito parecida com os assuntos deste blog. Meu cerébro, mesmo sem aditivos externos, foi pra lá de Marrakesh.

Seria a oportunidade perfeita para tocar aquelas coisas que eu sempre quis ouvir mas nunca ninguém tinha coragem de pôr em uma festa. Ridículo, mas meu ego fez com que um espírito pioneiro sem-vergonha tomasse meu corpo e as fantasias do que seria aquela noite. Fiz a famosa punhetagem mental e musical. Agora entendo o conselho que recebi de um DJ: "Engula seu orgulho se quiser tocar". Que nada, eu fiz um estardarte com a foto do meu orgulho estampado e fiquei carregando-o pela festa o tempo todo.

Demorei dois dias para alinhar uma sequência ideal; gravei os CDs na ordem em que eu queria tocar as músicas. Não havia flexiblidade alguma. Aliás, esses foram os dois únicos discos que eu levei. Na hora de passar o som tive que me contentar com reggae e free jazz. Foi assim que aprendi a “mixar”. Eu não tinha a menor idéia do que viria. Minha crença era a de que as músicas segurariam a pista porque eram muito boas e inéditas. Achei realmente que isso importava.

O bombardeio foi de basicamente dois cantores: Erasmo e Ronnie Von. Tinha o Rei Roberto, Beatles, Los Hermanos, John Lennon e até coisas mais famosas no final. O problema foi que a abordagem que eu escolhi foi ortodoxa demais; não concedi nada ao “público”, não dei chance de as pessoas se empolgarem com o que já conhecem. Como disse um amigo, eu fui o DJ "empata-foda". O cara que estava conversando com a menininha não teve como respirar nem chamar ela pra pista. Teve que se aguentar durante uma hora e meia só no papo. Nem cantar junto o coitado podia. Ferrei com a vida do sujeito. Enquanto isso, eu estava lá, sozinho. Um amigo ou outro passava e dava um oi ou trazia uma cerveja até a mesa, mas nem eles tiveram paciência para a minha exibição. E é isso que foi: uma exibição de um cara qualquer, desconhecido, que tocou músicas ainda mais desconhecidas para uma imensa maioria de estranhos, desconhecidos. E eu ficava me perguntando quando a festa iria encher, sem saber que as pessoas estavam se amontoando lá fora, com medo da pista.

No fim das contas ninguém sequer comentou aquela grande viagem. A repercussão foi zero. E eu achava que ia abafar. Quando toquei Strokes, bem no final, a já vazia sala virou um campo de vácuo; acho que até o ar saiu de lá naquela hora. Voltemos aos dois primeiros parágrafos do texto. Erros e mais erros, alteridade em falta. Acho que aprendi uma lição. Música, como tudo, não tem valor intrínseco. Não adianta achar que algo é fenomenal só porque existe. A existência de tudo depende do que as pessoas pensam daquilo. O importante é tentar estabelecer critérios sérios para dar valor a algo, mas mesmo assim eles serão questionáveis.

Já estou repensando a minha lista. Fazer concessões, ainda aprendo, deve ser o segredo do sucesso social. Tenho uma bom número de hits esperando a próxima vez em que alguém com coragem vai me convidar para brincar de ser DJ. Vou tocar até Madonna.