24 março, 2007

Irish Blood, American Heart [ou Sobre como os Strokes conseguem ficar ainda melhores]


:: Diogo BarbaRuiva

Reclamei tanto que achei alguma coisa. Eu ia inventar uma história interessante sobre como esse CD do qual vou falar estava esquecido no meu carro, e de como naquele trânsito absurdo da sexta-feira passada tive um mágico reencontro com ele, e assim iria...Que estava esquecido é verdade. Já fazia uns três meses desde sua chegada às minhas mãos. Ouvi uma vez e não gostei, achei maçante. Ficou encostado.

O garimpo é imprevisível: não adianta só fuçar o resto do mundo, é preciso fuçar olhando para nós mesmos. Nosso ouvido se engana. Ou quem sabe muda no decorrer de três meses. Tanta coisa toma rumos diferentes de maneira rápida na vida, não vejo porque com o gostar de música seria diferente. Descobri mais uma daquelas bandas que dão esperanças. Director, irlandês e herdeiro do legado dos Strokes, é o grupo em questão.

Vou retomar aquele antigo raciocínio sobre os Strokes para aplica-lo ao Director. Vamos com calma. Primeiro, eles fazem referência mais do que explícita aos ídolos. São fãs declarados. A vantagem de soar como os nova-iorquinos é o tom de maturidade que isso confere aos novatos irlandeses. O instrumental dos Strokes é muito melhor produzido e pensado (vivido, por que não?) do que o dos nossos eternos “malhados” (em referência a Judas) Arctic Monkeys. Fruto, eu já disse, de anos de experiência, de noites ruins em clubes pequenos, de brincadeiras em horas de ensaios. Director mostra que não lançou disco por acaso, que teve tempo de chegar a um “som”. Coisa que os Monkeys não têm, desculpem-me.

Ser uma cópia dos Strokes seria um mérito. Mostraria quanto impacto Is This It? teve no rock do século XXI. O quinteto americano não é apenas uma banda passageira, cheia de pose e estilo, eu também já disse isso. Eles têm a boa música como seu maior trunfo, não a internet. Mas Director já é mais do que isso, e We Thrive On Big Cities (2006) é uma evidência bastante convincente. Conseguir mostrar de onde veio e a que veio, ao mesmo tempo, logo no primeiro disco, é coisa rara de se ver hoje. Não nos enganemos (eu me enganei, confesso), pelas guitarras evidentemente “strokeanas”, pontuadas e fortemente melódicas, há muito mais poeira debaixo desse tapete.

Michael Moloney (voz e guitarra) é o quem dá o toque de coisa nova ao Director. Não fosse sua interpretação dramática e anasalada (que lembra muito a de Morrissey na carreira solo mais recente), talvez esse texto não existisse. Quando você se pega tentando imaginar como Julian Casablancas cantaria as dez faixas de We Thrive on Big Cities, você entende que ele não conseguiria faze-lo. Isso é crucial no disco: a personalidade da banda. A tentativa foi a de dar uma versão pontual para os Strokes. É o que eu chamaria de uma síntese bem-feita. Pegaram as coisas que os influenciaram e transformaram em algo singular, produzido por eles mesmos.

O que quero dizer é que existe uma identidade forte nas faixas, não poderiam ser de outra banda. Melhores ou piores, sim, mas não de Arctic Monkeys ou Franz Ferdinand. Eu confundo as duas últimas bandas às vezes. A falta de energia é parecida demais. A partir do primeiro momento em que ouvi Director identifiquei suas peculiaridades. Era melódico demais para ser Strokes, direto ao ponto demais para ser Morrissey, trabalhado demais para ser um desses fenômenos novos.

Morrissey tem uma música chamada “Irish Blood, English Heart”, que acredito ser um bom paralelo para aplicar ao Director. O ex-líder do The Smiths é inglês e escreveu uma forte canção sobre a identidade nacional inglesa:

"I've been dreaming of a time when/To be English is not to be baneful/ To be standing by the flag not feeling/ Shameful, racist or partial "

(Eu sonho com um tempo em que/Ser inglês não será algo destrutivo/ Quando estivermos perto da bandeira não nos sentiremos/ Envergonhados, racistas ou tendenciosos)

Claro que o drama não é tão intenso assim, mas podemos pensar na forte identidade musical que Director carrega; que é tão forte que não deixou que a influência dos Strokes fosse mais marcante do que fazer música própria. E esse traço irlandês está marcado no sotaque de Moloney e nas grandes melodias que We Thrive on Big Cities tem (vide Thin Lizzy, Pogues e Therapy?).

Irish blood, English heart, this I'm made of (Sangue irlandês, coração inglês/é disso que sou feito). No caso do Director, sangue irlandês, coração americano. É, definitivamente, o primeiro caso que vejo de uma boa banda influenciada pelos Strokes. Entenderam bem o que quer dizer “sintetizar” as influências. Nada mal, levando-se em conta que os americanos ainda estão na ativa, e esta ainda não completou seis anos. Sou insistente: estamos diante de um fato importante no rock. Os Strokes ainda não terminaram seu trabalho na música, quer lancem discos bons de agora em diante ou não. Ouvir Director é uma evidência disso.

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