:: Rodrigo Celso
Acho que é por isso que gostamos tanto do The Black & White Years: difícil de classificar. Evidentemente, ser inclassificável não é necessariamente uma qualidade. Há artistas bons e ruins de todos os tipos: nem todos os que se embrenham por caminhos alternativos se saem bem. Mas eu confesso ter uma queda por eles. De cara, eu admiro sua coragem de tentar fazer diferente. Se eu souber que existe uma banda formada por gaitistas de fole e músicos de bateria de escola de samba, comprarei o CD no dia seguinte. Mesmo que seja muito ruim, vou me divertir com a tentativa.
Há artistas que gostam de tocar estritamente dentro das regras de um determinado estilo e estão muito bem assim. Ninguém gosta de ser rotulado, mas a maior parte das bandas, de fato, segue um estilo e ponto. Normalmente, essas são as músicas que eu ouço no banho, no trabalho ou quando estou comendo alguma coisa requentada às 3 da manhã. Elas exigem muito pouco do ouvinte. Têm digestão fácil e agradam sempre. Agora, sentar para ouvir música com atenção, colocar um CD ou ligar o computador e ficar atento para as letras e para os detalhes dos arranjos, isso eu só faço com artistas inclassificáveis.
Talvez isso tenha a ver com ficar mais velho e já ter ouvido uma tonelada de bandas, cantores e cantoras. Quando alguém já ouviu música (especialmente Rock) por mais de 20 anos, sem pular um dia da semana ou um período do dia, provavelmente irá vibrar menos com a banda do momento (a não ser que ela seja tão boa quanto os excelentes The Strokes) e com a “garotinha folk desafinada que mal sabe tocar violão ou escrever uma letra” do momento. Mas acho que, no fundo, no fundo, a questão é outra. O fato é que eu sempre gostei muito de música de difícil audição.
Basta dizer que adoro o Einstürzende Neubauten. Meu professor de alemão sua frio sempre que eu peço para ler e discutir uma de suas letras. Ele, que tem sérios problemas com a Alemanha, sua terra Natal, às vezes é obrigado a ouvir uma das coisas que ele mais odeia por uma hora seguida. “Eu pegava carona com um amigo que ouvia essa banda todos os dias às 7 da manhã, no caminho para a Faculdade, em Dusseldorf. Você pode imaginar a alegria que me dá ouvir esse troço! Fala sério: você realmente acha que isso é música”.
Eu acho. Para quem não gosta, algumas músicas do Einstürzende se parecem com um liquidificador ligado, tocando em uníssono com uma serra elétrica. Bom, azar. Eu gosto. Acho estimulante pensar o que o compositor quis dizer ao inventar aqueles sons estranhos. Fico fascinado com letras complexas e alusivas, que não se entregam à primeira audição. Gosto de canções sem refrão e que não conseguimos cantar junto; músicas que não servem de fundo musical para um encontro ou para um jantar, pois geram incômodo, perplexidade e não deixam ninguém ficar tranqüilo, sentado na cadeira.
Há uma série de bandas e artistas que seguiram este caminho difícil, algumas poucas no Brasil. Atari Teenage Riot, Einstürzende Neubauten, Sonic Youth, Velvet Undergoud, Kraftwerk e outras. No Brasil, o Vzyadok Moe. Se você começar a ouvir essas bandas e se interessar por música clássica, vai descobrir o parentesco delas com o atonalismo. Um passo para começar a ouvir Shoenberg e Stockhausen. Enfim, espero que os interessados se divirtam.
“Mas como alguém pode gostar de coisas assim?” Alguns vão insistir. “Que graça tem ouvir canções estranhas, sem melodias bonitas e com letras obscuras? Um som cabeça e pretensioso, que se recusa a nos divertir?” Eu já tentei explicar. Não consigo dizer nada além do que eu já disse. Talvez ajude comparar o gosto musical com o gosto por comida e bebida. Quando temos dez anos de idade, é difícil imaginar que algum dia iremos gostar de cerveja e de moela, aquela água suja, amarga e ruim junto com aquela gosma meio fedorenta... Depois de alguns anos, o gosto amargo começa a dar água na boca e o que era nojento passa a ser apetitoso...
Com música é a mesma coisa. O gosto vai mudando, o paladar vai se sofisticando e aqueles artistas que achávamos estranhos e difíceis começam a soar melhor, a despertar nossa atenção. Começamos então a gostar de ouvir aquele som inusitado e quando nos damos conta, estamos ali, batendo um suco de abacaxi e ouvindo atentamente o liquidificador ligado, admirados com o tom e a textura de seu som... Quando nos damos conta, estamos com o IPOD cheio de músicas de artistas inclassificáveis, autores de canções disformes e de letras estranhas.
Não dá para negar: eu adoro artistas inclassificáveis. Gosto mesmo de música difícil. E de ornitorrincos.
21 fevereiro, 2008
Os inclassificáveis
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