Kid A está longe de ser um garimpo. Depois de quase virar uma super-banda com o disco OK Computer, o Radiohead criava muita expectativa nos fãs e nos críticos de música. Ficaram quase cinco anos sem lançar nada e sem dar pistas do que viria para próximo disco (que era Kid A). Eu morava nos Estados Unidos na época (no sul do Alabama) e lembro dos cartazes com a data do lançamento do disco no Wal-Mart - que não é exatamente um local para se procurar música boa. Lá, eles vendem as versões editadas dos CDs que têm palavrões (sinalizados pela etiqueta “Parental Advisory”). O Wal-Mart é onde todos podem comprar de maneira politicamente correta.
Kid A não tinha qualquer etiqueta de aviso. Não me lembro de nenhum palavrão no disco. Havia simplesmente muita expectativa. OK Computer salvou o rock, deu novas esperanças, entrou em todas as listas de melhores da história, encheu estádios. Era lógico que mesmo depois de esfriados os ânimos por causa dos quatro anos de demora, os membros do Radiohead pegassem suas guitarras e voltassem a dar uma nova e gloriosa volta ao mundo, munidos do título de embaixadores do rock.
Saiu na Folha de S.Paulo dessa semana uma reportagem sobre o livro Beijar o Céu, do crítico e repórter Simon Reynolds. Em uma matéria dele sobre o Radiohead, há a descrição de como o disco em questão foi recebido pelos “colegas” do mundo da música. Não farei citações literais, mas digamos que o Britpop ficou puto da vida. Acusações que começam com “Como eles ousam...” e “Quem eles acham que são para...” não foram poucas. Na lista dos detratores estão o Garbage e os irmãos Gallagher. A princípio, acredito que ninguém tenha gostado realmente de Kid A. Eu não entendi nada quando o ouvi pela primeira vez.
Comprei o disco enquanto o time de futebol (o soccer, não o americano) do meu colégio almoçava no shopping da cidade. Eu era parte do time e íamos jogar na Flórida. Era uma viagem de 3 horas. Levei meu CD player rezando para conseguir engolir alguns tacos e passar na única loja de música secular do lugar. O vendedor já me conhecia, e quando me viu, foi correndo pegar uma cópia na pilha que estava na frente da loja. Ele também era fã do Radiohead, também não gostava de gospel nem do hip-hop comercial que tocava ad nauseum nas rádios locais.
Corri para o ônibus e cheguei a tempo. Nem consigo me lembrar se eu joguei ou não, se ganhamos ou perdemos. A ansiedade de ouvir o disco era grande, não conversei com os meus companheiros de time direito. Lembro até hoje de não conseguir discernir direito o começo da primeira faixa, de fazer força para ouvir alguma pista de guitarra ou bateria. Estava barulhento no ônibus. Continuei, mas a cada faixa que passava eu ficava mais decepcionado. Nada parecido com o tão amado OK Computer. Deixei o CD player de lado e fiquei em silêncio no ônibus até chegarmos à Flórida.
Na volta, todos dormiam, menos eu – como sempre acontece em viagens de ônibus, carro ou avião. À noite viagens parecem ser mais longas, então peguei os fones e dei uma nova chance a Kid A, sem esperar muita coisa. Acho que não é necessária uma descrição de como eu me senti, de como cada faixa pareceu falar comigo. Tudo aquilo passou a fazer sentido, é o que eu quero dizer. O disco passou a dizer respeito a mim, tornou-se algo que eu queria ser também. Gosto de pensar em Kid A como o disco que mudou a música pop. O disco que trouxe a confusão e a incerteza de volta ao mercado musical, que deixou as pessoas sozinhas com seus próprios pensamentos. Não há fórmula, não há formato. Cada faixa ainda é uma canção pop. Os quatro minutos estão lá, a voz, as letras simples, até guitarras.
O Radiohead matou o rock-pop, e não pôs nada no lugar. Isso explica por que não houve outros Kid A, por que o Radiohead foi incapaz de fazer algo similar depois. Porque não há nada depois disso. Há raiva, há decepção e o futuro (que a rigor, não é nada além de fantasiar um presente que nunca virá).
Coldplay, Travis, Stereophonics; ninguém tem coragem de tentar fazer um Kid A. São imitações da fase mais clara do Radiohead, que vai de Pablo Honey a OK Computer. Ali, eles eram uma banda de rock. Ainda são. Voltaram a encher estádios, até mesmo na turnê de Kid A. Mas por um breve momento deixaram o mundo da música congelado, prestes a ser implodido. Essa talvez seja a última façanha que o rock venha a conseguir. Já faz muito tempo que nenhuma banda causa tanto impacto, tampouco incômodo.
Começou com Elvis, terminou com Radiohead.
:: postado por Barba Ruiva.
14 dezembro, 2006
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Marcadores: Diogo BarbaRuiva, Folha de S Paulo, Kid A, OK Computer, Pablo Honey, Radiohead, Simon Reynolds
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