15 dezembro, 2006

Os bestas do rock


Hoje em dia pega mal ter opiniões muito fortes. Todas as tendências, todas as tribos, todas as experiências são válidas. Gosto não se discute, opção sexual não se discute e os políticos são todos iguais: ladrões e mentirosos. Cada um cada um e ponto final. Num mundo assim, defender um argumento quase sempre soa como agressão: “Quem é você para dizer o que é certo e o que é errado, o que é bom e o que é ruim?”.

Se você, leitor deste blog, pensa assim, é melhor parar de ler aqui mesmo. Vai ser difícil a comunicação entre nós. Porque eu discordo de você e discordo muito. Mas, se você não ficar ofendido e quiser entender o porquê da discordância, podemos continuar a conversar. Eu vou me explicar. E não precisa me xingar.

Há bandas boas e bandas ruins, mas nem todo mundo concorda sobre quais elas são. Mais do que isso: há várias formas de avaliar a qualidade de uma banda. Por exemplo, se o critério for rock para dançar, New Order e Primal Scream vêm à minha cabeça, também o She wants revenge . Mas estas três bandas não têm todas a mesma qualidade: o New Order é melhor do que o She wants revenge. E não é porque eu goste mais de um do que de outro ou porque o primeiro me lembre da minha primeira namorada. Tenho argumentos objetivos.

Para mim, o Rock é uma música de formas fixas. Tem (quase) sempre o mesmo formatinho. Poucas notas, pouca complexidade. Não sei explicar em termos musicais, mas é evidente. Até os macacos sabem que gostamos mesmo é daquelas três notas arrumadas numa faixa de poucos minutos, com refrão, riff e uma letra mais ou menos besta. Mas no Rock como na literatura de cordel, o que parece igual não é. Se olharmos com cuidado, as bandas vão mexendo no esqueminha: encontram novos sons, novos timbres; retiram o refrão, suprimem ou transformam os riffs etc, sem romper completamente com o modelito.

Tem vezes que a banda é tão genial que cria um esqueminha original, uma forma fixa própria, variante da forma geral, e acaba influenciando um monte de outras bandas. Falemos de duas: Sex Pistols e Ramones.

Os Pistols são agressivos e sujos. Nos bons momentos, parece que sua música vai se desconjuntar: o baixo atrasa, a bateria perde o tempo etc. Os riffs de guitarra são toscos (muita corda solta) e nunca pegajosos. Os vocais são gritados lá em cima e as letras destrutivas. Ninguém tinha feito isso assim antes!

Os Ramones fazem coisa bem diferente. O som é mais compacto, as músicas têm começo meio e fim. A banda é precisa e sempre soa coesa, sem erros ou rebarbas. As letras são bem humoradas, sarcásticas, às vezes assumidamente imbecis (Hey-Ho, Let´s go!). O som é mais melódico, mais pegajoso, às vezes assumidamente POP. Os Sex Pistols queriam destruir a sociedade e os Ramones rir dela. Mas também nesse caso, ninguém tinha feito isso assim antes. Com essas duas bandas, o Rock fez uma curva. Delas, nasceram centenas de outras; mais ou menos repetitivas; mais ou menos criativas. Dentre elas, os Pixies.

Os Pixies resultam da mistura desses dois elementos do punk, a galhofa e a agressividade. Nas faixas menos criativas escolhem um lado: completamente imbecil ou completamente agressivo. Mas isso é raro. Normalmente, as duas coisas vêm misturadas numa estrutura que usa e abusa das pausas inusitadas e do contraponto. Nas melhores faixas, as pausas e os contrapontos fazem com que o ouvinte não consiga antecipar o que vai acontecer na próxima nota: refrão ou grito lancinante? Riff (meloso, agressivo, folk) ou uma frase em espanhol macarrônico? É claro que há muito mais no som dessa banda genial; mais influências, mais nuances, mais sutilezas. Mas para mim, os Pixies criaram um modelinho de canção próprio e, por isso, são melhores do que todas as bandas que surgiram em sua época.

Bandas geniais são como estilistas geniais: você olha para a roupa e vê que se trata de um vestido, de uma calça, de uma blusa. Ao mesmo tempo você nunca viu parecido. Bandas simplesmente corretas como o delicioso Foo Figthers e o divertido The Strokes (não vou falar de bandas medíocres como os Artic Monkeys e os The Vines) fazem boas canções, mas não chegam a criar um formato próprio. Devem mais às suas influências do que seria de se esperar e, por isso mesmo, têm pouca capacidade de criar discípulos. Fazem boas canções que quase sempre nos empolgam, sem nunca nos surpreender. Não vão entrar para a história do Rock como protagonistas, mas como coadjuvantes de peso. Mas, pelo menos no meu caso, vou continuar comprando todos os seus discos. Afinal, nem só de alta costura vive uma madame. Há sempre um lugar para o "prêt-à-porter".

Se para você todo esse papo não importa de nada, pois o negócio é aumentar o som e balançar a cabeça, tudo bem. Eu estou interessado na mesma coisa. A diferença é que a emoção é maior quando eu me deparo com alguma coisa original e excitante. Uma boa banda provoca sensações contraditórias: o esqueminha está lá; as três notas, as letras mais ou menos bestas, mas , ao mesmo tempo, ouço algo que eu nunca ouvi. E, pelo menos para mim, escutar algo assim provoca muito mais prazer. E faz balançar a cabeça com mais força.

:: postado pelo vilão especialmente convidado Rodrigo Celso