Meu disco favorito nos últimos tempos é Please Describe Yourself da banda escocesa Dogs die in hot cars. A melhor música do disco, sem sombra de dúvida, é “Celebrity Sanctum” que fala da relação entre homens e mulheres de uma maneira bastante original. Trata-se de uma provocação muito inteligente e bem humorada às mulheres e à sua relação com a beleza física.
A letra começa com uma declaração de amor a Lucy Liu e Angelina Jolie, delícias das delícias entre as celebridades universais, seguida das provocações: “eu a amo duas vezes mais do que a você” e “algum dia você poderia se parecer com ela?”. Mais adiante entrará em cena outra beldade: Catherine Zeta-Jones e seu corpo perfeito. A canção segue, dizendo que seria genial ser amigo dela e ser tornar “cara que todos os caras gostariam de ser”.
É como se os piores pesadelos das mulheres se tornassem realidade e as estrelas de Hollywood começassem a pular das revistas para os braços de seus namorados, amantes e maridos. O pior de tudo: “Celebrity Sanctum” deixa claro que a disputa estética entre as mulheres comuns e as estrelas é uma barbada. As vencedoras, é claro, são as estrelas, sempre lindas, quentes e deliciosas. Será?
“I just want someone that would come home
Why don’t you, why don’t you come home?”
(Eu só quero alguém que venha para casa
Porque você não vem, porque você não vem para casa?).
O refrão, que entremeia as provocações da letra, coloca as coisas em seu lugar. O cara não quer realmente uma mulher perfeita, ele não quer uma estrela de Hollywood, mas uma companheira; alguém presente e real e não uma fantasia. Mas isso não é fácil de se conseguir. As mulheres não conseguem simplesmente estar em casa e ficar ao lado de seus homens. Elas até podem estar ali, fisicamente, mas sua cabeça está em outro lugar:
“You’re watching watching you watching me
You’re watching watching you watching me
You’re watching watching you watching me
Stop watching me.”
(Você está vigiando você mesma me vigiando
Você está vigiando você mesma me vigiando
Você está vigiando você mesma me vigiando
Pára de me vigiar.)
Nesse momento, a letra perde o tom irônico e se torna um apelo emocionado:
“Pára de prestar atenção em como eu olho para você; pára de se colocar fora de nossa relação como uma vigia, pronta para ver tudo que há de errado. Quero você aqui do meu lado, presente, em casa, junto a mim. Pára de me vigiar e de olhar nossa relação de fora e fica aqui comigo!”.
“Celebrity Sanctum” insinua que as mulheres nunca estão em casa, ou seja, nunca estão ao lado de seus homens, pois se sentem cobradas por um padrão de beleza e perfeição que, de saída, é impossível alcançar. Vivem fora de si e da relação amorosa ao se compararem a uma meta inatingível. Por isso nunca relaxam. Por isso ficam “vigiando a si mesmas vigiando seus homens” e deixam de experimentar o que significa estar com alguém ali, na real.
Pode ser que alguns homens realmente queiram que suas mulheres se pareçam com Lucy Liu, Angelina Jolie e Catherine Zeta-Jones. Alguns devem até pedir para que elas façam plásticas, implantes nos seios e lipoaspiração. Um conhecido meu deu de presente para a sua namorada, que eu sempre achei linda e sensual, uma caixa de Diet Shake no dia de seu aniversário. E ela achou legal. Achou que valeu pelo toque... Coisas assim acontecem.
Mas os caras do Dog die in hot cars não querem isso de suas mulheres. Eu também não. Há homens de outro tipo e relações amorosas de outra natureza. Como diz a letra, alguns caras só querem alguém que os ouça e e permaneça presente no cotidiano da relação. Alguém que não viva fora de si. Essa demanda dos homens para as mulheres é nova, pelo menos no Rock'n'Roll. Não se trata mais apenas de beleza e sensualidade, mas principalmente de amor e afeto.
Alguém se lembra dos vídeos do Whitesnake, Kiss, Mötley Crüe, Scorpions, ZZ Top, entre tantos outros? Hoje, não há nada parecido: nada de loiras peitudas vestidas como vagabundas ou “sexy mamas” quentes e prontas para o sexo. Tudo isso acabou. Nos dias que correm, essa visão da mulher está relegada a alguns representantes do Rap, do Funk e do R&B e a alguns roqueiros que ainda posam de macho men, por mais ridículo que isso possa parecer. No Rock alternativo, há apenas homens carentes e confusos à procura de mulheres afetuosas que, acima de tudo, fiquem a seu lado e os amem.
Sobre esse assunto os EmmoS têm muito a dizer. Apesar de eu não gostar de sua música, quase sempre repetitiva e melosa, cheia de recursos fáceis e clichês constrangedores, tenho que reconhecer que eles fazem parte desse fenômeno. Suas letras sensíveis e melodias pegajosas dizem aos quatro ventos: "Amor, eu não quero apenas te comer!"
Enfim, talvez o Rock tenha deixado de ser apenas um instrumento para se conseguir sexo e tenha se tornado um lugar para se pensar e discutir as dificuldades e impasses das relações amorosas. Nada contra o sexo pelo sexo, diga-se de passagem, mas todos sabemos como pode ser difícil e doloroso relacionar-se com alguém para além da superfície; sejam amores entre homens e mulheres, sejam entre parceiros do mesmo sexo. Quanto mais ajuda tivermos nesse campo, melhor.
Por isso, deixo aqui meu muito obrigado aos Dogs die in hot cars e peço a todos que prestem muita atenção em “Celebrity Sactum” e em Please Describe Yourself como um todo. Esses escoceses, atualmente preparando seu segundo álbum, têm muita coisa a nos dizer.
Postado por Rodrigo Celso.
25 dezembro, 2006
"Eu não quero apenas te comer, Chapeuzinho..."
Marcadores: Dogs die in hot cars, Emmo, Escócia, Questões de gênero, Rodrigo Celso, Sexo
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