12 janeiro, 2007

Rock, violência e política


O Sonic Youth lançou o histórico Day Dream Nation em 1988. A primeira faixa era "Teen Age Riot" e dizia:

Teenage riot in a public station/
Gonna fight and tear it up in a hypernation for you
(Confusão de adolescentes na estação/
vamos lutar e fazê-la em pedaços numa hiper-nação para vocês)
(...)

Looking for a ride to your secret location/
Where the kids are setting up a free-speed nation, for you/
Got a foghorn and a drum and a hammer thats rockin/
And a cord and a pedal and a lock, that’ll do me for now/
(Procurando carona para um local secreto/
Onde os moleques estão preparando uma nação sem limite de velocidade, para você/
Tenho um megafone, uma bateria e um martelo que está balançando/
E uma corda e um pedal e um cadeado, por ora está bom para mim)

O negócio era trancar-se numa garagem e fazer ali a nação que não se podia fazer nas ruas; tocar música e deixar o mundo lá fora explodir. Ou andar sobre as águas como um Cristo impossível, completamente abandonado pelo Pai, gritando repetidamente com toda a raiva do mundo (numa citação clara do Clash): “Eu quero saber/ Devo ir ou devo ficar?”. O que fazer?

Vejam a letra de "Cross the breeze":

Lets go walking on the water/ Come all the way please/
I wanna know/ Should I stay or go?
(Vamos andar sobre as águas/ Venha até o fim, por favor/
Eu quero saber/Devo ficar ou devo ir?)
(…)

Para o Sonic Youth, em várias canções, trata-se de viver uma depressão surda, sentir raiva de tudo sem saber o que fazer para enfrentar o medo de morrer e medo do futuro. Tentar acreditar que se pode fazer o que se quer quando só há ignorância, raiva e impotência:

Close your eyes and make believe/ You can do whatever you please/
I wanna know/ I think I better go
(Feche os olhos e me faça acreditar/ Você pode fazer o que você quiser, por favor/
Eu quero saber/ Acho que devo ir)
(...)

O futuro é incerto e só resta tentar andar sobre as águas sabendo que vamos afundar, sentir raiva diante do desconhecido, perguntar e perguntar sem obter nenhuma resposta:

I’m trying for the future/ Its funny that way/
I wanna know/ I wanna know!
(Estou tentando pelo futuro/ É divertido assim/
Eu quero saber/Eu quero saber)

I took a look into the hate/ It made me feel very up to date/
I wanna know/ Should I stay or go?
(Eu olho para a raiva/ Ela me faz sentir atualizado/
Eu quero saber/ Devo ficar ou devo ir?)

A sensação é de desespero, o medo é de desaparecer como uma chama que se extingue lentamente na brisa (na capa de Day Dream Nation há uma vela acesa). Ficar ou ir? Até o fim, perguntas e perguntas sem resposta:

Hold me tight, down on my knees/ So I dont go burning cross the breeze/
I wanna know/ I wanna know!
(Me segura forte, de joelhos/ Assim eu não queimo na brisa/
Eu quero saber Eu quero saber!)

Na falta de algo para acreditar, resta fazer música e cultivar a melancolia... Mas sem conformar-se completamente. As dúvidas ficam em aberto, a chama permanece acesa.

O Sonic Youth é como um Sex Pistols (despolitizado e niilista) subtraído do cinismo e o Atari Teenage Riot (ATR) é o The Clash (ativista e politizado) que não acredita mais na política.

O ATR começa em 1992, com o nome inspirado na música do Sonic Youth e decide que já é tempo de sair da garagem e ganhar as ruas. Ação direta é a palavra: vamos destruir tudo. Para resolver os problemas políticos (como o racismo), nada de fazer política. A solução é a violência. Revolution Action!!!!!!!!!!!!!!!

ACTION!!!!!!!!!!!!!!
It’s time to live and it’s time to die!
It’s time to live and it’s time to die!
It’s time to live and it’s time to die!
It’s time to live and it’s time to die!

A banda foi criada para combater os neo-nazistas que dominavam a cena eletrônica de Berlim logo após a queda do muro. Oferece como alternativa ao preconceito e ao racismo a violência pura. Chegaram a ser presos por incitar a violência em seus shows. Se eu tivesse que escolher a trilha sonora para uma guerra civil, escolheria "Revolution Action". É o começo do espírito de Seattle, é a Multidão de Antonio Negri em plena ação: não sei bem o que fazer, então vamos quebrar tudo!

Será que ninguém acredita na política no meio do rock alternativo? A música deve ou mostrar a falta de perspectivas do mundo ou pregar a destruição: há outro caminho possível?

Alec Empire, líder do ATR, continua a fazer discos impressionantes como o recente Futurist (2005); sempre pregando a violência, como em "Make ‘em bleed". De outro lado, bandas como Calla, entre tantas outras, levam adiante a sensação de falta de perspectivas e constroem atmosferas etéreas, cheias de climas e letras impressionistas. Ouçam o novo disco do Calla, Collisions (2005).

Ativismo significa destruição? Falta de perspectivas leva, necessariamente, ou à depressão ou à ação direta? Entre pregar a destruição e entregar-se à alienação melancólica - ambas posições que negam a política - haverá outra via? Política não dá bom Rock’n’Roll?

Voltemos ao The Clash e seu apoio a diversos movimentos sociais, inclusive os sandinistas em Sandinista! (1980). Pensemos no Manic Street Preachers e seu disco Know Your Enemy (2001), que critica duramente os Estados Unidos e sua política truculenta na esfera internacional. Temos aqui alternativas?

O que me tranquiliza é perceber que o tempo passa, mas o Rock sempre tem uma resposta; ou melhor, várias respostas, para as questões políticas. Depois de ouvir o que as bandas têm a dizer, resta pôr a cabeça para funcionar e formar nossa própria opinião. Para fazer política e para pensar na política trata-se de ler os filósofos, os cientistas sociais, ouvir o que os políticos têm a dizer e, além disso, ouvir muito Rock'n'Roll.

:: postado por Rodrigo Celso - eugarimpo@hotmail.com