:: Rodrigo Celso
A primeira vez que eu ouvi “Vênus in furs” do Velvet Underground fiquei muito confuso. A letra era ininteligível: eu ainda não tinha a menor idéia do que fosse uma Dominatrix (“Shiny, shiny, shiny boots of leather”). Aquele violino percussivo, sem qualquer ornamento, produzindo um som áspero, sem frases musicais fáceis, mas, ao mesmo tempo, hipnótico, envolvente... A canção falava de sentimentos que eu não conhecia.
Sua sonoridade era muito estranha. Tempos depois, vim a saber do atonalismo, do compositor clássico Stockhausen de quem John Cale, o violinista, fora aluno. Depois de descobrir o que era uma Dominatrix, li “A Vênus das Peles” (“She comes in furs”, diz a letra) com introdução do Giles Delleuze e descobri quem é o filósofo Giles Delleuze. Tudo bem, admito: além disso tudo, resolvi experimentar, de leve, como é dar e receber uns tapinhas... Enfim, a música despertou minha curiosidade e me fez chegar a informações, sensações, pensamentos que eu não conhecia.
Um tempo depois, quando ouvi “Pretty vacant”, tive outro tipo de sensação. Na época, eu já conhecia o Metaalica, já ouvira Slayer e outros sons pesados, mas nos Sex Pistols havia uma agressividade diferente. Uma postura irônica e provocativa, muito diversa do espírito “vou te dar um cacete porque eu sou um fodão” das músicas de metal. A letra dos Pistols parecia zombar de mim, das minhas dúvidas e inseguranças, e me convidava e dar uma banana para tudo em que eu acreditava. Fiquei perturbado, como ao ouvir o Velvet, e levei alguns anos para realmente gostar.
O rock atual, pelo menos aquele que toca no rádio, no Faustão, MTV e faz show ao vivo no Big Brohter, segue caminhos muito diferentes. Costumo chamar esse tipo de som de “música dos vencedores”. Ela não vai fazer você pensar nada de perturbador, não vai te estimular a fazer nada de muito radical, estranho ou inesperado. Vai apenas te consolar nos momentos difíceis e te dar força para mandar tudo à merda (mas só um pouquinho) quando você estiver estressado.
Se você terminar com sua namorada ou namorado, se brigar com seu chefe, seu professor; se estiver meio deprimido, essas bandas terão sempre uma palavra amiga. Nada muito radical; nada muito revoltado, típico de caras que colocam piercings no nariz e posam de marginais, mas têm mulher, filhos, gato, cachorro e vivem o sonho banal da família burguesa. São bandas gospel sem coragem de abraçar Jesus.
Nada contra a família burguesa; nada contra pedir segurança para que as autoridades nos protejam dos marginais e defender o endurecimento das penas para combater os traficantes (mas será que realmente funciona?). Nada contra trocar de carro todo o ano, comprar sofás à prestação e ver TV até a bunda ficar quadrada.
O problema é imaginar que o mainstream do rock de hoje, especialmente do rock brasileiro, é apenas isso: um bando de bons moços, de horizontes estreitos e nenhuma idéia nova, que falam de coisas banais e repetem para você tudo aquilo que você já sabe. Gosto de ouvir o que eles têm a dizer, muitas vezes é divertido e reconfortante. Mas será que a vida é só isso?
Ouvir esse tipo de som é completamente seguro, “its safe”, não há o que temer. Seus pais não precisam ficar preocupados, seus chefes, seus professores. Trata-se apenas de desestressar, não de questionar. Relaxar, não contestar. Dar um tempo de tudo, não defender mudanças na sociedade. Depois de ouvir essas bandas você vai voltar renovado para seu trabalho, sua escola, seu casamento, seu namoro. Não vai querer fazer, pensar, ler nada de estranho. "Just fun"!
Vai ser bom para você. Continue assim. Na verdade, esqueça do Velvet e dos Sex Pistols. Fique apenas com os Detonautas, Fresno, Panic! at the Disco, Simple Plan: é mais negócio. Afinal, o importante é controlar a mente e desfrutar de felicidade, paz mental, tranqüilidade, mesmo que o mundo esteja uma merda e ninguém faça nada (nem eu, nem você) para que tudo mude. Afinal, não somos todos aproveitadores e ladrões, especialmente os políticos? De que adianta?
Por isso, meu querido, minha querida, esqueça de tudo e adiante o seu lado. Não ouça, pense, fale nada de diferente. E fique feliz em ser um vencedor. Você merece. Mas saiba que é possível ouvir rock (mainstream e também outras coisas...), casar, ter filhos, um emprego e família sem ser tão convencional, sem ser tão conformado.
Dá para fazer, mas isso exige que você suporte a sensação de ser minoria. Se você começar a pensar um pouco diferente, se fizer sexo na frequência e do jeito que você gosta; se você sair um pouquinho do padrão, se começar a pensar coisas inusitadas, de repente, todos vão começar a discordar de você e você vai se sentir meio errado, estranho, fora de foco.
O lado bom é que fazer isso, seguir seu desejo, abre os horizontes, amplia os sentidos e te faz ver coisas que você não via. E tudo pode começar com uma simples canção.... Por isso, meu querido, minha querida, eu repito: evite garimpar. Fique apenas com as rádios conhecidas, com o Faustão, a MTV e o Big Brother.
Não abra espaço na sua vida para nada de estranho. Se tiver coragem, aceite Jesus no seu coração. E não esqueça: em todo e qualquer assunto, esteja sempre do lado da maioria. É mais seguro, mais confortável. E vai fazer você sorrir feliz mais vezes ao longo da sua vida. E ser feliz é o que importa, não é mesmo?
03 março, 2007
Você é um vencedor? [ouça rock e aceite Jesus]
Marcadores: Emmo, MTV, Rodrigo Celso, Sex Pistols, Velvet Underground
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