07 março, 2007

Vergonha da Jovem Guarda


:: Diogo BarbaRuiva

Quando Ventura, dos Los Hermanos, saiu em 2003, a comparação de Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante à dupla Chico Buarque/Edu Lobo foi constantemente repetida por todos os veículos que falavam da banda carioca. A mistura bem-sucedida de rock indie com música brasileira despertou a fertilíssima imaginação dos jornalistas e causou esse grande equívoco. Lendo um texto de Rodrigo Celso e ouvindo a um disco de Erasmo Carlos, sou obrigado a discordar completamente da imprecisa comparação.

Em primeiro lugar: Chico nunca foi de misturar as coisas. Seu viés é e sempre foi o samba. Claro, ele compensa a falta de variedade na música com suas letras muito boas. Dizem que é poesia., inclusive. Aqui a comparação patina feio. Os Los Hermanos tentaram criar um som novo, sintetizar suas influências em algo supostamente novo. De fato foi novidade. Ainda é, principalmente se pensarmos na nova onda de resgate das “raízes” culturais brasileiras que assola o mundo universitário atualmente. Há uma falsa luta ideológica entre o que é de raiz e a música “imperializada”. Esse tema já foi abordado aqui em outro texto meu.

Então os Los Hermanos não se encaixam na turma da faculdade, eles fazem rock, pô! Eles são influenciados pelo rock estrangeiro. Uma amiga americana uma vez me disse, ao ouvir uma das faixas do Ventura : “Mas eles são os Strokes brasileiros!”. Ela está certa, em parte. Os Los Hermanos são mais do que uma cópia dos nova-iorquinos, mas ainda assim, altamente influenciados pelo som da Big Apple.

Tudo isso me lembra uma certa época da história da música brasileira, nos idos dos anos 60, quando um embate ideológico parecido ao mencionado acima aconteceu. Os pólos eram dois programas de televisão: O Fino da Bossa, comandado por Elis Regina e Jair Rodrigues e Jovem Guarda, de Roberto, Erasmo e Wanderléa. A situação era semelhante: um grupo fazia rock, o outro, música de “raiz” (ou baseada na tal raiz). Não vou entrar em detalhes de como isso se desenrolou.

O que é importante para mim é traçar as raízes dos Los Hermanos como sendo mais profundamente fixas na Jovem Guarda do que no Fino da Bossa. Quem já ouviu a banda sabe o porquê disso. Eles não são nada xiitas em relação a o que deve predominar em sua música. Eles são rock, ponto final. Ouviam Weezer e Chico, simples assim. Aqui entra a informação central de Rodrigo Celso: já houve quem fizesse isso anteriomente, há décadas atrás. O som feito era parecido com o que os Hermanos fazem hoje (excetuando-se o indeciso álbum 4, bem pior que Ventura). Erasmo Carlos! O parceiro de Roberto, o Tremendão, o cavaleiro do rock nacional (sem esquecer dos Mutantes, é obvio).

Marcelo Camelo canta muito parecido com Erasmo (ouça “Largo da Segunda-Feira”, do último). Os temas são parecidos, apesar do rebuscamento às vezes desnecessário que Chico emprestou a Camelo. Erasmo fez sambas também, fez samba-rock, usou naipes de metais viajantes, fez música psicodélica (“Horizonte Distante”?). Olha, se eu fosse jornalista naquela época, a dupla escolhida seria outra: Erasmo e Roberto Carlos. Para quem não sabe, a maioria das canções dos discos do Tremendão é em parceria com o Rei.

Los Hermanos não é MPB. Tem guitarra, tem bateria mal tocada à la Jovem Guarda, tem gritos de yeah!. Reconheço todo o bem que a complexidade harmônica da bossa nova fez às composições dos cariocas, dou o braço a torcer. O samba é fundamental para eles também, eu sei disso. Eu não arredo o pé de dizer que precisamos parar de ter vergonha da Jovem Guarda. Se aqueles jovens “alienados” não foram os responsáveis pelo surgimento do rock brasileiro, eles foram ao menos seus guardiões. E lá vão os Los Hermanos usando todo aquele arsenal no século XXI, sem dar os devidos créditos a quem merece.