Lobão voltou para os braços da Sony, gravadora com a qual brigou há alguns anos. O resultado da briga, muito produtivo, foi a criação da revista “Outra Coisa”, do selo “Universo Paralelo” mais três bons discos independentes; e uma série de mudanças na legislação, inclusive a obrigatoriedade de numerar os CDs. Lobão fez muito barulho na esfera pública, fez boa música e construiu uma série de empreendimentos comerciais de sucesso. Nada mal para um “Cordeirão”.
Para simplificar as coisas, a imprensa criou um antagonismo entre Lobão e as grandes gravadoras que, até onde me lembro, nunca existiu. O inimigo sempre foi a mediocridade dos artistas, a incapacidade de inovar, a falta de transparência nos custos e nas vendas e a prática do jabá, que cria uma reserva de mercado contra a lei, diminuindo o espaço para novos talentos. O inimigo de Lobão, no fim das contas, sempre foi a falta de capitalismo e de meritocracia na música brasileira. As gravadoras não querem correr riscos, não querem competição. Todos querem “jogar” na certeza, sem arriscar um tostão.
A discussão que interessa não é a “sinceridade” de Lobão. A questão é saber qual o efeito dos monopólios sobre a criatividade dos artistas e sobre a formação do público. O que é melhor, grandes gravadoras mundiais, ligadas a grandes conglomerados de mídia, capazes de controlar o mercado pela distribuição de verbas publicitárias para TVs, rádios e revistas (algumas delas de propriedade de empresas “irmãs”), além da oferta de “presentes” para jornalistas (como os “ipods” oferecidos a jornalistas no lançamento do disco de Maria Rita); ou um mercado formado por mais selos médios e pequenos e menos gravadoras grandes; marcado por mais disputa, mais risco e menor possibilidade de controle? Monopólio ou competição? Essa é a escolha.
Escolho a competição. Prefiro que um artista tenha várias opções quando deseje vender seu trabalho. Prefiro revistas, rádios e TVs com maior liberdade editorial; menos dependentes de grandes verbas publicitárias e anunciantes “associados” aos conglomerados de mídia. Prefiro um mundo mais descentralizado, em que haja vários veículos para vários públicos; várias opiniões, várias visões sobre o que seja a boa música. Prefiro que mais artistas e empresários consigam sobreviver do seu trabalho e haja menos mansões, iates e jaguares e mais apartamentos de 4 dormitórios em Perdizes; mais Merivas, mais Safiras e mais pequenos veleiros.
Gostaria de ver o dia em que a palavra "alternativo" não se refira àqueles artistas que, no futuro, formarão o "mainstream" nas grandes gravadoras. Gostaria de ver nascer um mercado plural em que "alternativo" seja sinônimo de ousadia e independência. Ousadia de não ficar mendigando contratos com uma "major"; ousadia de não querer ser uma celebridade, mas apenas um bom músico, com independência criativa e a possibilidade de sobreviver atingindo públicos pequenos e médios. Sem precisar tocar na novela, sem precisar aparecer no Faustão.
Ao voltar a uma grande gravadora e, pior de tudo, levar seu selo junto, Lobão escolheu a segurança dos monopólios ao risco do mercado capitalista competitivo emergente, impulsionado pela internet. Sua ação enfraquece a posição dos defensores da competição e fortalece as “majors”. O selo “Universo Paralelo” vai cumprir uma missão importante: servir de tubo de ensaio para a Sony. Vai ajudar a renovar seu “cast” e evitar que ela se torne obsoleta por repetir as mesmas fórmulas. Todos sabem que uma grande empresa precisa de inovação. Para cada Wolf Maia é preciso um Guel Arraes; para cada Sandy um Lobão.
Trata-se de uma boa jogada comercial que fortalece a posição de Lobão, ratifica seu trabalho de músico criativo e empresário de sucesso e traz criatividade para uma grande gravadora. Nada a condenar, nada a opor, aplausos para Lobão e para a Sony. Eu só pediria, falando em nome dos que defendem a competição, que Lobão deixasse de lado o discurso de defensor do mercado independente. Todos sabem que ele tem serviços prestados nesse campo: provou que é possível construir um selo pequeno que tem boa circulação, divulgação e é capaz de lançar bons artistas com CDs baratos e de qualidade.
No entanto, a partir de agora, Lobão está ao lado dos monopólios. Passou a ser seu braço inovador e criativo: a vanguarda da retaguarda, o primo republicano de uma família de democratas, o grande empresário que vota na esquerda. Não chega a ser um Cordeirão, mas também não dá para fazer pose de Che Guevara. Como ele mesmo disse, sobre seu projeto acústico:
"Estou fazendo esse disco porque mereço e acho que o público merece me ter. Em um país de m... desse, eu privar o público da minha música é uma p... falta de higiene. Para um público que adora Calypso, Chico Buarque, eu sou um colírio, um oásis."(entrevista a Rudney Flores, GAZETA DO POVO)
Lobão não quer ser um artista inovador, de vanguarda, mas sim um inovador do "mainstream", um renovador do POP. Digo tudo isso sem deixar de ouvir e reverenciar seus discos mais recentes e seu excelente acústico MTV. Trata-se de um grande artista POP, de um empresário criativo, de um polêmico nato e de uma personalidade ímpar, capaz de tirar a imprensa de letra e ser ouvido nos meios intelectuais e políticos. Pena ter se alinhado aos interesses das grandes gravadoras.
Sei lá, talvez, se eu estivesse na pele dele, teria feito o mesmo. Como Lobão disse em entrevistas recentes, trata-se, no fim das contas, de pagar as contas: ganhar dinheiro e correr atrás de seus interesses. De qualquer maneira, os defensores da competição e do pluralismo estético e político lamentam a perda de um grande aliado e agradecem pelos serviços prestados. A partir de agora, é cada um para seu lado.
Além disso, é o caso de perguntar: O CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) não tem nada a dizer sobre o mercado musical brasileiro? Além de um assunto artístico, não se trata também de uma questão de concorrência entre empresas? Onde estão os capitalistas desse país? Mudaram para Cuba?
Para simplificar as coisas, a imprensa criou um antagonismo entre Lobão e as grandes gravadoras que, até onde me lembro, nunca existiu. O inimigo sempre foi a mediocridade dos artistas, a incapacidade de inovar, a falta de transparência nos custos e nas vendas e a prática do jabá, que cria uma reserva de mercado contra a lei, diminuindo o espaço para novos talentos. O inimigo de Lobão, no fim das contas, sempre foi a falta de capitalismo e de meritocracia na música brasileira. As gravadoras não querem correr riscos, não querem competição. Todos querem “jogar” na certeza, sem arriscar um tostão.
A discussão que interessa não é a “sinceridade” de Lobão. A questão é saber qual o efeito dos monopólios sobre a criatividade dos artistas e sobre a formação do público. O que é melhor, grandes gravadoras mundiais, ligadas a grandes conglomerados de mídia, capazes de controlar o mercado pela distribuição de verbas publicitárias para TVs, rádios e revistas (algumas delas de propriedade de empresas “irmãs”), além da oferta de “presentes” para jornalistas (como os “ipods” oferecidos a jornalistas no lançamento do disco de Maria Rita); ou um mercado formado por mais selos médios e pequenos e menos gravadoras grandes; marcado por mais disputa, mais risco e menor possibilidade de controle? Monopólio ou competição? Essa é a escolha.
Escolho a competição. Prefiro que um artista tenha várias opções quando deseje vender seu trabalho. Prefiro revistas, rádios e TVs com maior liberdade editorial; menos dependentes de grandes verbas publicitárias e anunciantes “associados” aos conglomerados de mídia. Prefiro um mundo mais descentralizado, em que haja vários veículos para vários públicos; várias opiniões, várias visões sobre o que seja a boa música. Prefiro que mais artistas e empresários consigam sobreviver do seu trabalho e haja menos mansões, iates e jaguares e mais apartamentos de 4 dormitórios em Perdizes; mais Merivas, mais Safiras e mais pequenos veleiros.
Gostaria de ver o dia em que a palavra "alternativo" não se refira àqueles artistas que, no futuro, formarão o "mainstream" nas grandes gravadoras. Gostaria de ver nascer um mercado plural em que "alternativo" seja sinônimo de ousadia e independência. Ousadia de não ficar mendigando contratos com uma "major"; ousadia de não querer ser uma celebridade, mas apenas um bom músico, com independência criativa e a possibilidade de sobreviver atingindo públicos pequenos e médios. Sem precisar tocar na novela, sem precisar aparecer no Faustão.
Ao voltar a uma grande gravadora e, pior de tudo, levar seu selo junto, Lobão escolheu a segurança dos monopólios ao risco do mercado capitalista competitivo emergente, impulsionado pela internet. Sua ação enfraquece a posição dos defensores da competição e fortalece as “majors”. O selo “Universo Paralelo” vai cumprir uma missão importante: servir de tubo de ensaio para a Sony. Vai ajudar a renovar seu “cast” e evitar que ela se torne obsoleta por repetir as mesmas fórmulas. Todos sabem que uma grande empresa precisa de inovação. Para cada Wolf Maia é preciso um Guel Arraes; para cada Sandy um Lobão.
Trata-se de uma boa jogada comercial que fortalece a posição de Lobão, ratifica seu trabalho de músico criativo e empresário de sucesso e traz criatividade para uma grande gravadora. Nada a condenar, nada a opor, aplausos para Lobão e para a Sony. Eu só pediria, falando em nome dos que defendem a competição, que Lobão deixasse de lado o discurso de defensor do mercado independente. Todos sabem que ele tem serviços prestados nesse campo: provou que é possível construir um selo pequeno que tem boa circulação, divulgação e é capaz de lançar bons artistas com CDs baratos e de qualidade.
No entanto, a partir de agora, Lobão está ao lado dos monopólios. Passou a ser seu braço inovador e criativo: a vanguarda da retaguarda, o primo republicano de uma família de democratas, o grande empresário que vota na esquerda. Não chega a ser um Cordeirão, mas também não dá para fazer pose de Che Guevara. Como ele mesmo disse, sobre seu projeto acústico:
"Estou fazendo esse disco porque mereço e acho que o público merece me ter. Em um país de m... desse, eu privar o público da minha música é uma p... falta de higiene. Para um público que adora Calypso, Chico Buarque, eu sou um colírio, um oásis."(entrevista a Rudney Flores, GAZETA DO POVO)
Lobão não quer ser um artista inovador, de vanguarda, mas sim um inovador do "mainstream", um renovador do POP. Digo tudo isso sem deixar de ouvir e reverenciar seus discos mais recentes e seu excelente acústico MTV. Trata-se de um grande artista POP, de um empresário criativo, de um polêmico nato e de uma personalidade ímpar, capaz de tirar a imprensa de letra e ser ouvido nos meios intelectuais e políticos. Pena ter se alinhado aos interesses das grandes gravadoras.
Sei lá, talvez, se eu estivesse na pele dele, teria feito o mesmo. Como Lobão disse em entrevistas recentes, trata-se, no fim das contas, de pagar as contas: ganhar dinheiro e correr atrás de seus interesses. De qualquer maneira, os defensores da competição e do pluralismo estético e político lamentam a perda de um grande aliado e agradecem pelos serviços prestados. A partir de agora, é cada um para seu lado.
Além disso, é o caso de perguntar: O CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) não tem nada a dizer sobre o mercado musical brasileiro? Além de um assunto artístico, não se trata também de uma questão de concorrência entre empresas? Onde estão os capitalistas desse país? Mudaram para Cuba?
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