01 maio, 2007

Conflitos internos [Nine Inch Nails - Year Zero]


:: Diogo BarbaRuiva

Devido a problemas técnicos do Blogger estivemos ausentes durante esse tempo todo. Já está tudo resolvido, estamos de volta.


Year Zero, novo disco do Nine Inch Nails, é uma distopia, uma história de ficção sobre um futuro não tão distante que prevê grandes catástrofes sócio-políticas em um mundo dominado pela tecnologia e pelo autoritarismo. O disco temático segue a linha dos clássicos 1984 (George Orwell), Fahrenheit 451 (Ray Bradbury) e Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley); a história se passa num Estados Unidos tomado por um regime totalitário que controla o povo por meio de drogas. A perspectiva da narração varia, mas a complexa história toma como ponto de partida um grupo guerrilheiro que tenta derrubar o governo. Discos temáticos não são novidade; nesse caso, o que é diferente é o grau de interatividade que a história tem: uma empresa que desenvolve jogos foi responsável por criar inúmeros (realmente não se sabe quantos são) sites com informações que complementam a história contada nas faixas. Jogos como Silent Hill e Resident Evil são parâmetros do nível de garimpo que alguém tem que desenvolver para chegar a toda essa informação; sempre há alguma coisa que não vimos.

O disco em si, fisicamente falando, também chama atenção. Ele é branco, e quando colocado no aparelho de CD muda sua cor para preto. É termo-sensível, e volta à coloração original. Não se sabe se chegará ao Brasil com tais propriedades.

Detalhes demais para um disco de rock, eu diria. O clima é sempre uma coisa importante quando se ouve música, saber contextos, fatos que envolveram as gravações, detalhes da vida do artista, esse tipo de informação “inútil” dá colorido aos álbuns e os torna mais interessantes. Trent Reznor teve uma boa idéia e resolveu fazer isso através da ficção e de recursos visuais (os tais sites). Pode-se ignorar toda essa parafernália e simplesmente ouvir Year Zero com que ele tem, mas há a opção de recorrer às “muletas” contextuais disponíveis. Vejo um problema, porém. Nenhuma das duas experiências se sustenta bem sozinha e intercala-las é trabalhoso demais.

A ficção de Reznor é fraca e não traz nada de original. Além dos livros citados acima, seria possível pensar em inúmeros filmes e histórias que fazem diagnósticos parecidos. Um ponto possivelmente positivo, a crítica à guerra ao terror e a George W. Bush, já não é mais novidade. Hoje é moda tomar essa posição falsamente política porque não se corre mais riscos em faze-lo. A guerra do Iraque e Bush já estão desmoralizados, é consenso de que tudo foi um grande erro. Ter a coragem das Dixie Chicks – que em 2003, no auge da popularidade de Bush criticaram o presidente americano publicamente e foram massacradas pela mídia – seria algo fora do comum. Qualquer um fala da política externa norte-americana atualmente. A sensibilidade de apontar o não-óbvio e o não dito é que é extraordinária.

Sobrou a música, as dezesseis faixas de Year Zero. Ao contrário do ótimo With Teeth (2005), Year Zero perde força a partir do começo. Até “Capital G”, apesar de não ser muito empolgante, o disco mostra coesão e compõe bem o clima de ficção futurista que pretende ter. Mantém-se a estrutura de With Teeth no que diz respeito às canções: batida forte, guitarra pesada e refrão pop vigoroso. Depois disso acontecem coisas estranhas com Trent Reznor. “God Given” tem versos que facilmente poderiam ser cantados por Shakira, Bono e Justin Timberlake. A batida é suingada demais, apesar do peso do baixo e da afetação de Reznor. Ficou esquisito. Mais tarde, o líder do Nine Inch Nails parece querer retomar sua “vocação industrial” e fazer experimentações com as batidas. Ele cai na chatice de esquecer da melodia e também não deixa os efeitos eletrônicos tomarem rumo próprio. Fica com medo de ficar industrial demais e, ao mesmo tempo, fica com medo de ser pop. O meio-termo aparece, felizmente, em “The Great Destroyer”, uma das melhores faixas. Há o peso, o clima eletrônico que anda de mãos dadas com o pop quase meloso que a voz rasgada de Reznor sabe fazer. Quando a melodia se resolve e não tem mais nada a apresentar, o eletrônico toma conta e faz um solo de batidas interessantes e efeitos envolventes. Reznor é realmente um grande músico.

O pecado foi, portanto, uma dupla identidade que não deixou que nenhum dos dois lados tomasse o controle a fim de construir uma identidade mais sólida para o álbum. A ficção não deixou o disco ser somente um disco, o disco não supriu a necessidade de climas de que a história necessitava. O pop não permitiu ao eletrônico maior liberdade de ser agresivo. A obrigação de ser industrial, pesado e sombrio deixou o pop enfaixado em meio a batidas e loops desnecessários.

Apesar de não ser um disco de todo ruim, Year Zero é fraco frente a obra do Nine Inch Nails e de outros artistas que têm as mesmas pretensões. Por exemplo, Marylin Manson. Esse é um que sabe exatamente o quanto do pop ele pode usar sem perder seu caráter provocativo e sujo. Um dos melhores covers dos últimos tempos é sua versão de “Sweet Dreams”, do Eurythimcs. Em Mechanical Animals, Manson incorporou o pop e propositalmente comprometeu o peso de sua banda. A imagem da capa é sugestiva: ele com corpo de mulher, seios e tudo. Antes, com um som pesado e agressivo, ele se autoproclamava o anti-cristo do pop. Virou uma virgem Maria do peso, talvez.

Reznor quer ser Cristo e Maria, quer ter tudo sem abrir mão de nada. Não acredito que tenha optado por ser assim em Year Zero por desconhecimento de causa: em With Teeth fica clara sua opção pelo rock frente ao eletrônico. Essa é uma questão muito bem resolvida. Dave Grohl foi escalado para tocar bateria ao invés dos drum-machines usuais. Em Year Zero, apesar da sugestão de um recomeço, o Nine Inch Nails cai no senso comum e não se mostra extraordinário como de fato é. A capacidade de fazer canções foi seriamente comprometida por tantas variáveis envolvidas no processo. Faltou mais simplicidade.
Trent, não precisa tentar começar do zero.