07 maio, 2008

De graça mesmo: o novo álbum do Nine Inch Nails e o bolor




Era mais do que se esperava da vaidade de Trent Reznor. Depois de cobrar apenas cinco dólares por um disco quádruplo (Ghosts I-IV) e de vender milhares de "pacotes especiais" (com CD e vinil) desse mesmo disco, o homem que é uma banda resolveu dar seu disco novo de graça logo de uma vez. Não só isso, ele pôs o álbum sob a licença Creative Commons, permitindo o uso das faixas em podcasts, blogs, remixes, etc.

The Slip tem dez faixas e é uma continuação da lógica iniciada em With Teeth: rock eletrônico pesado, mas menos industrial e mais próximo do pop. Mas ainda não passemos para a crítica musical deste post. Vamos começar pela nossa usual discussão sobre direitos autorais e sobre a internet como veículo de disseminação de conhecimento/arte/entretenimento.

O disco é de graça!
Levando "ao extremo" o que o Radiohead fez com seu último disco, In Rainbows, Trent Reznor pôs à nossa disposição todo o disco sem custo algum. Melhor que os ingleses, ele oferece várias opções de formato de áudio, desde mp3 até arquivos da mais alta qualidade, melhor do que CD. Mas o que o levaria a ser tão bondoso?

Bom, na verdade o disco ainda vai ser lançado em sua versão física, em CD, que será vendido em lojas de maneira convencional. Como In Rainbows também foi, aliás. Tem alguma coisa nessa equação da qual não sabemos. Digo isso porque não acredito que se trate de filantropia em nenhum dos dois casos. Tanto Reznor quanto Yorke e cia. não vão abrir mão de ganhar dinheiro simplesmente para ganhar a simpatia dos fãs (e com razão).

Os fatos comuns aqui são a possibilidade de se obter os discos em questão de graça e o fato de eles serem lançados posteriormente em CD, mesmo após "vazarem" pela mundo todo através da internet. Alguém vai dizer que o Nine Inch Nails ainda tem contrato com a Universal e por isso eles foram obrigados a também disponibilizarem o formato físico do álbum. Não é o caso: o contrato já acabou, a Universal só vai distribuir The Slip. A rigor, ele é como In Rainbows, um disco independente.

Chegamos a uma conclusão? Discos ainda são importantes, certo? Beleza, certo, ainda se ganha muito vendendo CDs. Divulgar na internet é essencial, podemos concluir também. Muito bom. Então estamos diante de um novo parâmetro revolucionário de comercialização da música! Cada vez mais teremos discos de graça, mais artistas lançarão arquivos zip dois meses antes de seu novo CD chegar às lojas! Revolução! Calma lá.

Quem põe música de graça na internet? Responda rápido.
Resposta: bandas independentes. Alguns exemplos são o The Dead Rocks, o The Black and White Years, o Downliners Sekt... E muitas outras MySpace e Last.fm afora. Por que diabos eles nos deixam baixar seu trabalho de graça? Porque eles não vendem discos. Ou se vendem, é um número irrisório, cujos rendimentos são engolidos pelas gravadoras estelionatárias. Vale mais a pena ficar conhecido e conseguir bons shows e tirar uma graninha garantida do que ficar preso a contratos de semi-escravidão criativa ganhando pouco a longo prazo.

E por que as bandas se sujeitam a esse tipo de constrangimento, por que elas assinam contratos com majors, minors e outras subsidiárias das grandes empresas de comercialização de música? Em primeiro lugar porque é muito caro gravar. É preciso um bom estúdio, com bons equipamentos e ótimos profissionais. Segundo, porque o know-how de distribuição e marketing está todo sob o monopólio das grandes gravadoras. O acesso ao meio é extremamente restrito, só entra quem tem cacife e um grande nome por trás.

Meu amigo, adivinhe quem acabou de se tornar independente, quem acabou de fazer o caminho inverso ao de uma banda independente que aspira ser alguém no mercado musical? Radiohead e Nine Inch Nails! Eles esperaram seus contratos expirarem e coincidentemente fizeram coisas parecidas com seus discos agora independentes. No que eles são diferentes das nossas bandas de MySpace e Last.fm lá de cima? Começa pelo estúdio. Milhões de dólares depois, as mais novas bandas independentes têm todo o conhecimento e equipamento para fazer em casa um disco do mesmo nível dos gravados nos grandes estúdios. Outra coisa, mais importante, é o nome. Ambos já são artistas muito famosos com anos de carreira. O empecilho de se fazer conhecido não existe aqui. No fim das contas, o que eles fizeram e estão fazendo é explorar eles mesmos o lucro que antes ficava com a gravadora.

Uma grande vantagem, não? Claro, mas nada muda para as bandas pequenas e sem nome. Essas continuam tendo que lutar por reconhecimento em meio a muita gente e tendo que competir com estratégias comerciais altamente elaboradas desenvolvidas por especialistas. As novas tecnologias de gravação estão reduzindo consideravelmente os custos de gravação de um bom disco, isso temos de reconhecer. Ótimos EPs como o do The Black and White Years talvez não existissem não fosse por isso. O problema, porém, ainda é o de quem determina o que as pessoas vão ouvir e de como isso vai chegar aos consumidores.

Estamos longe, apesar de cada vez mais perto, de um mercado, de uma mídia, de um mundo descentralizado e menos sujeito a monopólios (sejam reais ou culturais) de certos modelos de circulação de música, de certos jeitos de fazer a informação se disseminar. Portanto, não nos animemos com o fato de The Slip ser de graça. Obviamente que não ter de gastar 30 reais com um CD é uma vantagem para mim, um indivíduo com 30 reais a mais no bolso. Só que temos de pensar no contexto maior, na visão de cima da coisa, senão seremos enganados e repetiremos bobagens sem saber do que estamos falando. E faço aqui a minha mea culpa sobre toda a minha empolgação anterior com In Rainbows.

Afinal de contas, o CD é bom?
Depois dessa digressão enorme passemos à parte menos interessante da história. Confesso que esse raciocínio todo me deixou bem mais desanimado com The Slip do antes de começar a escrever. Não que seja um disco ruim, mas sinceramente, o Nine Inch Nails anda se repetindo muito.

Incomoda o fato de o disco ser muito parecido com os dois anteriores, With Teeth e Year Zero. Poderia ser um sinal de coerência, de projeto musical, só que não me parece o caso. Já faz três anos que Trent Reznor nos submete aos mesmos timbres, temas e ruídos. Admiro a coragem mudar o som industrial no NIN para um rock eletrônico mais acessível. O problema é que faltou imaginação. Já em Year Zero, o segundo da "trilogia" se percebia sinais de esgotamento. Ali ainda se identifica a força que Reznor mostrou em mesclar efeitos programados com instrumentos de verdade. Mas também já se percebe que o homem-banda começou a ficar um pouco perdido, sem inspiração.

Previsilibilidade é que faz de The Slip uma decepção. Ele é apenas a repetição de uma fórmula, o resto de uma intenção criativa. "Resto" num sentido negativo, algo requentado, misturado, que não se sabe bem do que se trata. Como quando o molho da carne ensopa o arroz e o purê de batata naquele prato deixado em cima da pia. Ainda é a comida da avó, mas com um aspecto feio, os aromas misturados, a comida fria. Cada grito, baixo distorcido e piano melódico estão bem colocados demais. Um disco pesado de butique (como se dizia dos punks de butique, artificiais).

O Nine Inch Nails está a poucos passos da irrelevância agora. Não há nada a ser dito, nada a ser mostrado. Está como o nosso prato de sobras em cima da pia. Parafraseando Arnaldo Baptista, o que me vem à cabeça depois de um dia de reflexão e audições de The Slip é: será que Trent Reznor vai virar bolor?


Onde baixar: www.nin.com