03 maio, 2008

As canções perfeitas [Swastika Eyes, XTRMNTR, Primal Scream]



:: Rodrigo Celso

Empolgante é pouco. Swastica Eyes (1999) é capaz de levar à euforia, como várias músicas do genial Primal Scream. A letra, o que menos importa nessa canção feroz e niilista, fala de uma mulher que escurece o Sol, uma parasita e sifilítica que conduz uma política de eliminação, uma ilusão de democracia, militar e industrial. É assim mesmo: palavras soltas, na verdade, gritos desconexos contra alguma coisa, que a banda identificou na época, diante da pressão da imprensa, com Madeleine Albright então Secretária de Defesa dos Estados Unidos do Governo Bush. Mas poderia não ser: Primal Scream como Sex Pistols, Atari Teenage Riot e Alec Empire fazem músicas para dar forma ao puro prazer de destruir; violência pura contra tudo e contra todos.

Swastica Eyes, obviamente, gera sentimentos ambíguos: é admissível dançar ao som de um refrão que fala da suástica, o símbolo maior do totalitarismo alemão? E dançar embalados por um som eletrônico irresistível, genial, milimetricamente construído para não deixar ninguém parado? Os punks já haviam se apropriado da suástica, mais para chocar do que para expressar uma ideologia qualquer, já que o Punk é exatamente o contrário disso. Os Skinheads (no Brasil chamados de “Carecas do Subúrbio”) esses sim incorporaram a ideologia nazista e se têm se dedicado a espancar homossexuais e outras minorias e fazer canções que fazem apologia do nacionalismo e da homogeneidade social.

O Primal Scream, como os Punks, não respeita nada, e aí está seu interesse e sua importância. É preciso preservar e prestar atenção em todos aqueles que negam os méritos do mundo como ele existe; que não se constrangem diante de nenhuma idéia ou símbolo e se sentem livres para agredir e ofender credos, religiões, ideologias, teorias... Claro, é importante que gente assim fique bem distante da política, pois sua vocação não é fazer acordos para que a sociedade seja governada, mas colocar tudo em questão. Voltar-se contra todos os ídolos e todos os tabus é uma atitude central em uma democracia.

Do incômodo diante de ataques deste tipo nasce a necessidade de justificar e argumentar para defender todas as posições. O niilismo na arte e na esfera pública é um aliado poderoso do Estado de Direito: ninguém fica impune, nenhum argumento, nenhum pressuposto, nenhuma visão de mundo. Tudo precisa ser justificado racionalmente. Claro, a depender da ferocidade do ataque, o niilista pode enfrentar reações, inclusive do sistema jurídico, e terminar na cadeia. Mas não foi esse o caso do Primal Scream. Afinal, eles só fizeram uma canção dúbia...

Ao dançar ao som de Swastica Eyes e ao sentir certo incômodo por isso, estamos vivenciando e construindo o Estado de Direito. Também damos vazão ao nosso próprio desejo de destruir. Afinal, às vezes, temos vontade de começar do zero e explodir a tudo e a todos! Mas só é aceitável fazer isso na letra de uma canção e não no mundo real. A não ser que se queira fazer renascer uma das ideologias mais sombrias da cultura ocidental.