19 outubro, 2008

Ainda sobre "Lóki": Erraram o alvo feio


:: Diogo BarbaRuiva

Ratificando tudo o que Rodrigo Celso disse sobre o filme, eu tenho mais algumas observações para fazer a respeito do que faltou. E digo que faltou justamente porque o diagnóstico do post anterior foi preciso: não se trata de um documentário sobre música.

Aliás, não se trata nem de um documentário. Está mais para uma versão emocional de fatos já conhecidos que tem por objetivo levar o espectador a um clímax emocional. Cito um exemplo: Lobão diz que a revista Mojo elegeu o disco "Let It Bed" como um dos melhores discos gravados. Uma informação incompleta. O mínimo que se esperaria seria uma rápida pesquisa para mostrar em que ano isso foi, mostrar que tal lista de melhores era essa, com uma imagem para ilustrar a afirmação do entrevistado. Nada. Ficamos só com essa "sensação". E é nisso que o filme é baseado, em sensações, não em documentação.

Porém, o que mais me incomodou foi como Arnaldo Baptista foi retratado. Desde a época em que suas experimentações com ácido começaram (e até os dias de hoje), o mais comum é associá-lo à imagem de um doido, de um cara que não sabe muito bem o que está se passando e age de maneira infantil e desconexa porque ficou "lesado" por causa das drogas. Aqui, dou-me o direito de discordar radicalmente do que é mostrado no filme porque já tive a experiência de conversar com Arnaldo Baptista. Fiz duas entrevistas com ele para publicar um perfil.

Para começo de conversa, ele sabe muito bem onde está no mundo. Sabe o que quer fazer e como fazer. Tem preferências muito claras e opiniões muito bem-formadas do passado, presente e futuro. Uma de suas maiores paixões, segundo ele mesmo, são os amplificadores valvulados. Em pouco mais de uma hora de conversa que tive com ele, esse tipo de equipamento deve ter sido citado pelo menos cinco vezes. E não só citado, mas Arnaldo desenvolveu longos raciocínios dos porquês de preferir os tais amplificadores, contou que não são mais usados nem na Europa (o que lhe causou uma certa decepção na turnê européia com Os Mutantes). Quando fiz uma pergunta relativa às drogas, sua (desconcertante) resposta veio com uma pergunta: "Você já experimentou LSD?". "Não", respondi. "Então eu prefiro não falar sobre isso, é um tipo de coisa que não dá pra explicar", completou, encerrando o assunto. Bem diferente do Arnaldo ingênuo e romântico que o filme mostrou, alguém indefeso e que não sabe medir as consequências de seus atos; é um Arnaldo que sabe se expressar através de palavras e não só com pinturas ou frases desconexas.

Talvez seja mais fácil tratar um dos maiores músicos de rock que o Brasil tem (senão o maior) dessa maneira. Talvez seja mais fácil não dar voz às coisas que ele tem a dizer, tratá-lo com um louco que sobreviveu, como algo vindo de um passado distante que hoje podemos admirar com uma reverência parecida à de alguém que olha uma obra de arte sem entender nada. Esse é o papel que é reservado aos espectadores de "Lóki".

Mas, felizmente, existe quem dê o devido valor a Arnaldo Baptista - como por exemplo, o homem que se aproxima dele em Londres e diz que David Byrne lhe trouxe discos d'Os Mutantes do Brasil; ou o produtor que reuniu a banda para o show no Barbican. Infelizmente, essas pessoas estão quase todas no exterior. Elas são as bandas que reconhecem não só a parte espetacular da vida de Arnaldo, como sua tentativa de suicídio, seus problemas com drogas e a separação de Rita Lee, mas que vêem os discos de sua carreira solo com olhos de quem enxerga um músico de verdade fazendo música relevante para o mundo todo. O diretor do filme e a plateia que ovacionou, de pé, "Lóki", estava mais preocupada em sair cantando "A Balada do Louco" do que saber o que é que importa nessa história toda.

E na opinião desse blog (que não é de "críticos musicais", como já disseram várias vezes, mas de fãs de música), o que importa é a bateria Ludwig, o baixo e guitarra Gibson, os teclados, o convite de Ronnie Von para os Os Mutantes gravarem um disco com ele, a decepção ao chegar ao Fillmore Theather e não achar amplificadores valvulados, as divergências musicais entre os integrantes d'Os Mutantes, ou seja, tudo o que diz respeito à música de Arnaldo Baptista. E que me desculpem os envolvidos na produção do filme, mas isso é a principal parte do que ele é.