Texto originalmente publicado na Revista Espresso dos meses de setembro, outubro e novembro.
O ROCK POPULAR BRASILEIRO DE ARNALDO BAPTISTA
Considerado um dos principais músicos e compositores dos anos sessenta, o ex-tropicalista fala sobre Gilberto Gil, sua saída dos Mutantes e suas paixões, os amplificadores valvulados
TEXTO DIOGO RODRIGUEZ
Arnaldo Dias Baptista não é um herói do rock’n’roll. Apesar de, junto com os Mutantes e na onda da Tropicália, ter criado a semente de uma proposta de música brasileira diferente de tudo que vinha sendo feito até os anos sessenta, hoje em dia ele está longe de ter o status que têm bandas como os Rolling Stones, ou mesmo de outras personalidades consagradas da MPB. Enquanto os ingleses sexagenários ainda fazem turnês milionárias e são reconhecidos pelo mundo todo e Chico Buarque lota casas de espetáculo pelo País, o ex-tecladista de uma das maiores bandas de rock do Brasil não encontra facilidade para lançar os discos de sua carreira-solo: “Eu ainda tenho falta de acesso a esse lado [às gravadoras]”.
Ele é um dos que ajudaram a plantar a influência do rock no Brasil. Nascido em São Paulo, em 6 de julho de 1948, passou a infância e a adolescência no bairro da Pompéia. Teve contato com a música desde cedo, graças aos pais, César Dias Baptista e Clarisse Leite. “Em casa, nós [Arnaldo e seus irmãos Sérgio e Cláudio César] tínhamos um envolvimento musical muito importante. Minha mãe foi a primeira mulher do mundo a compor um concerto para piano e orquestra; meu pai era poeta:, escreveu três livros. O nosso envolvimento com a arte era totalmente mundial, mas não no sentido popular”, disse. Arnaldo conta que sua preferência por rock o fazia sentir-se “como um pária, porque ouvia conjuntos do exterior e não conseguia encontrar ninguém paralelo no Brasil”. Entre seus favoritos estavam The Ventures, The Shadows e o guitarrista Duane Eddy.
DUPRAT INCENTIVOU, OITICICA BATIZOU
Até chegarem à formação mais conhecida, com Arnaldo no baixo, Sérgio na guitarra, Rita Lee no vocal e Dinho na bateria, os Mutantes tiveram vários nomes e integrantes. Esses quatro seriam os que apresentariam a composição Domingo no Parque com Gilberto Gil no 3° Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1967 – e seriam vaiados pela platéia porque empunhavam instrumentos elétricos, algo considerado inadequado pelas platéias conservadoras.
A responsabilidade por introduzir o quarteto paulistano à música brasileira de maneira decisiva foi do maestro Rogério Duprat, um dos idealizadores e principais colaboradores dos tropicalistas: “Nós fomos a um programa de rádio que ele tinha na época e conhecemos a Nana Caymmi. Acompanhamos a música Bom Dia e ela nos levou para conhecer o Gilberto Gil [autor da canção]”, conta Arnaldo. Encontraram-se no Hotel Danúbio, onde o baiano morava, e assim começava o ramo musical da Tropicália. O artista plástico Hélio Oiticica foi quem primeiro usou o termo; outros nomes mais famosos do movimento eram José Celso Martinez Corrêa no teatro e José Agrippino e Torquato Neto na literatura. Os tropicalistas tinham a intenção de misturar a cultura brasileira à cultura de massa do resto do mundo, principalmente das Américas.
A intenção de dar um caráter mais universal à música nacional que Caetano Veloso e Gil tinham em mente encontrou respaldo na vontade dos Mutantes de levar adiante o rock como música brasileira: “Quando eu fui ao hotel e encontrei o Gil com a Nana Caymmi e o Jorge Ben, meu lado nacional ficou mais forte, enveredei para isso e me apeguei às origens brasileiras. Me senti mais poderoso em deixar meu lado brasileiro aparecer”. Mais brasileiro, porém sem abandonar o rock: “Nós tínhamos instrumentos de rock, sem dúvida, e era um conjunto que sempre se baseou em guitarras. O sentido de rock’n’roll [da Tropicália] foi sempre nosso”.
O rock e a irreverência das letras e apresentações levaram os Mutantes ao estrelato no final dos anos sessenta. Além de participar do disco Tropicália (1968), fizeram desfiles de moda, campanhas publicitárias, programas de televisão e tocaram na Europa, na principal feira do mercado fonográfico mundial, a Midem. Porém, nada parecido com o que outras estrelas da época experimentavam. “De uma certa forma sempre fomos deixados de lado porque éramos muito diferentes do Roberto Carlos e da Wanderléa.” E qual teria sido o impacto de um conjunto de rock na música brasileira? “Os Mutantes tentavam abranger o que não era conseguido, ou seja, enquanto havia conjuntos que imitavam os lá de fora, nós entramos na pesquisa da música brasileira.”
Depois do frisson inicial e do sucesso conseguido por canções como Ando Meio Desligado, os Mutantes encontravam cada vez mais dificuldades para se manter populares. Problemas internos como insatisfações, brigas e desentendimentos causaram a saída de integrantes ao longo dos anos. Primeiro foi Rita Lee, depois Arnaldo Baptista. Segundo ele, começavam a aparecer diferenças artísticas entre ele, o irmão, Sérgio Dias, e o resto do grupo. Em 1973 deixou a banda; no ano seguinte lançou seu primeiro disco-solo, Lóki?. O irmão mais velho, Cláudio César, construía equipamentos para serem usados em shows e gravações. “O meu irmão fazia amplificadores digitais e eu prefiro valvulado, foi por isso que eu acabei saindo dos Mutantes.” Os mesmos motivos o levaram a sair mais uma vez, após a reunião em 2006, desta vez com Sérgio Dias, Dinho Leme e Zélia Duncan.
O EQUIPAMENTO MAIS-QUE-NECESSÁRIO
A questão dos amplificadores valvulados está fortemente presente na conversa com Arnaldo. Sua absoluta predileção por esse tipo de equipamento é algo que ele sempre faz questão de frisar. Quando perguntado do porquê disso ele conta uma história “muito íntima” e “nunca publicada”. Um ou dois anos antes do término dos Mutantes, quando visitava Armando Salles em São Paulo, “audiófilo” e amigo de seu pai, ouviu um som “totalmente maravilhoso, psicodélico”, que o “preencheu”. Quando perguntou a Salles o que era aquilo, a resposta: “É que o amplificador aqui em casa é valvulado.”
Foram seis discos com os Mutantes e outros seis em carreira-solo. Arnaldo tem procurado manter-se fiel ao tipo de som que admira, de “músicos como o Tony Kaye, pianista do grupo Yes, o Nigel Olsson, baterista do Elton John, o Jack Bruce, contrabaixista do West, Bruce and Laing, o Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin”, que ele “endeusa”. O esforço agora é conseguir equipar seu estúdio caseiro em Juiz de Fora (MG). “Em São Paulo eu tenho um apartamento. Era um pouco difícil porque tenho um amplificador de 40 watts. Aumentava o volume um pouquinho e o zelador já berrava pelo interfone: ‘Tá muito alto!’. Vou fazer o som de acordo com o que eu sonho, que é totalmente valvulado e com instrumentos Gibson. Então, eu tenho bateria Ludwig, tenho três teclados em casa... Eu vou deixar transparecer a diferença que existe entre o rock’n’roll bom e rock’n’roll ruim.”
Com duas músicas do próximo disco já gravadas, Arnaldo Baptista tem esperanças de conseguir fazer música exatamente do seu jeito. Neste ano, estreou na literatura com a ficção-científica Rebelde entre os Rebeldes (Editora Rocco), em que convida o leitor para uma viagem espacial: “Aventuras interplanetárias de um casal que foge da Terra e vaga pelo tempo e pelo espaço em busca de paz”. E avisa: “Vou levar adiante a minha carreira-solo, porque agora vai ser como eu quero.” Além de gravar todos os instrumentos (como já havia feito em Let It Bed, de 2005), Arnaldo está executando toda a parte técnica sozinho: “Encontrei dois gravadores profissionais nos Estados Unidos que aperto um botão e sai deles um CD pronto para ser tocado. Então eu já passei a ser independente”. Uma independência merecida, ainda que tenha demorado a chegar.
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