20 agosto, 2009

Punk rock underground feminista: Bikini Kill


:: José Rodrigo Rodriguez
Falar de sexo fora do registro pornográfico é muito difícil. Podem examinar toda a história da literatura: falar do assunto sem dissolvê-lo nas palavras elevadas do amor; o sexo em sua animalidade e carnalidade é dos temas mais difíceis. Sexo e política: pior ainda. Faz tempo a relação sexual foi politizada em razão de questões como estupro, abuso de mulheres, de homens e de crianças. O impulso veio do feminismo, mas o problema é geral: a relação sexual e o prazer são hoje um problema público e privado, uma questão da cidade e da casa.

Que linguagem usar para falar desse assunto? Que forma inventar? O problema que a Banda Bikini Kill, central para o mivimento conhecido como RIOT GRRRL, enfrentou nas duas letras traduzidas abaixo é complicado para qualquer escritor. Sem cair em maniqueísmos a banda se sai muito bem ao falar da sexualidade feminina em versos cheios de hesitações e repetições que preparam estrofes claras e diretas sobre os problemas que desejam abordar, despida a linguagem de qualquer artifício. O objetivo estético é eliminar toda e qualquer ambigüidade, com violência se necessário, para constituir um ponto de vista que vê a si mesmo como ignorado pela sociedade.

Esta necessidade de falar algumas coisas de forma clara e na nossa cara motiva a escolha do estilo, coloquial a ponto de ser constrangedor, cheio de gírias e palavrões entre os quais reluzem versos de altíssima carga emotiva como:

Só porque meu mundo, querida, é tão fodidamente,
Merda, cheio de estupro – - Isso quer dizer que
Meu corpo será sempre fonte de dor?
Não, não, não.

Ou:

E então, você, você, você, você, você, você, você, você, você, você, você, você,
Vá dizer para a porra dos seus amigos
O que eu pensei e como me senti
Como, caralho, a porra
Da minha boceta cheira
Você já disse para eles?

O efeito é extremamente agressivo; como se alguém passasse um bom tempo balbuciando ou grunhindo sentenças sem muita ligação entre si para ser capaz de formular algumas frases que soam como um soco no estômago. A dificuldade na formulação, a violência, a hesitação, tudo se liga à gravidade e intimidade do assunto abordado. Quem se sentiria completamente à vontade discutindo, por exemplo, o cheiro de uma boceta?

Nada nos textos é ingênuo ou displicente. O tom confessional e coloquial pode enganar o leitor desatento. Mas a pontuação, a escolha de palavras, o ritmo, a forma de diálogo, tudo está a serviço do eu poético que tem urgência de falar sobre um assunto difícil para tentar pensar novas formas de sexo a partir de elementos velhos, uma linguagem nova a partir de palavras e relações marcadas pelo violento modelo do estupro.

Emancipar o sexo/linguagem: daí a necessidade do Bikini Kill de politizar questões tão íntimas e tão complexas para encontrar uma linguagem/relação emancipada. Falar de forma direta, de indivíduo para indivíduo, sem metáforas ou mediações, foi a solução adotada pelo eu poético que deseja convencer os ouvintes de seu ponto de vista. Pois o Bikini Kill, banda formada apenas por mulheres, acredita na emancipação do sexo/linguagem e quer nos convencer disso. Quer falar sobre o assunto, mesmo que seja difícil e duro.

Apesar de tudo, apesar de você comentar com seus amigos o cheiro da minha boceta, “Acho que gosto de você/ Acho que sim” e “Eu creio nas possibilidades radicais do prazer”. Pois um dia, talvez, você possa vir a trepar comigo e não se limite a me foder! Afinal, as mulheres também gostam de trepar para sentir prazer!

O som? Punk rock, claro.Nada mais adequado.



Eu gosto de trepar

Bikini Kill

Ei! Você acredita que há algo
além desta realidade tosca? E acredito, eu acredito.

É tão difícil estar apenas bem
Estar feliz, cara, é o que às vezes
Me dá mais medo
Cara, tipo, é tão difícil para
mim, lutar – - eu não sei eu
Acho que nunca lutei – - Porque você
Não me mostra como – - como sair de mim

(ela é tão “Caguei!”)

Só porque meu mundo, querida, é tão fodidamente,
Merda, cheio de estupro – - Isso quer dizer que
Meu corpo será sempre fonte de dor?
Não, não, não.

(Ela é tão “Caguei!”, Ela é tão “Caguei!”)

Só porque eu falei claro, querida
não quer dizer nem por um minuto que você
deva pensar que eu sou o contrário de
qualquer coisa – - mas se você quer ter certeza
eu digo

Nós não vamos provar nada nada
Sentadas, paradas, olhando nossa fome
O que precisamos é de ação/estratégia
Eu quero eu quero eu quero
Eu quero agora

Eu creio nas possibilidades radicais do prazer, cara.
Eu creio. Eu creio. Eu creio.

Tradução: José Rodrigo Rodriguez

I like fucking

Hey do you believe there’s anything beyond troll-guy reality?
I do. I do. I do.

It get’s so hard
Just to be okay
Sometimes being happy baby
Is what I’m most afraid of
Baby you know
It gets so hard for me to fight
I don’t know how
I guess I never did
Why don’t you show me now
How to lose control

(She’s so very I don’t care She’s so very I don’t care)

Just cuz my world sweet sister
Is so fucking goddamn full of rape
Does that mean my body must always be a source of pain?
No. No. No.

(She’s so very I don’t care She’s so very I don’t care)

Just cuz I named it right here sweet chickadee
Don’t mean for a minute you should think
I’m the opposite of anything
But if you wanna know for sure I’ll tell you
We’re not gonna prove nothing, nothing
Sittin around watching each other starve
What we need is action/strategy
I want. I want. I want.
I want it now.

What I want. I believe in the radical possibilities of pleasure babe
I do. I do. I do.