21 dezembro, 2006

O Mestre Yoda do rock'n'roll


Black Francis acabou com o Pixies, fez dois discos repetindo a si mesmo (mas com canções geniais) e, a partir do terceiro, entrou para a universidade da canção. A cada novo CD nosso amado gordinho vem resgatando formas musicais tradicionais, sempre com sua dicção pessoal. Blues, folk, country: como o chorinho, o forró pé-de-serra e o samba de raiz, tudo isso está ameaçado de extinção nos Estados Unidos da América.

Não é por acaso que a classe média intelectualizada e universitária brasileira vem resgatando estilos que há muito deixaram de ser tocados pelos sambistas do morro e pelos músicos populares. Jovens formam grupos de chorinho, forró, côco e aprendem a tocar cavaquinho, pandeiro, rabeca... Sem ações como essa, formas musicais geniais podem muito bem desaparecer do mapa. Nos states, Frank Black tem se dedicado a fazer um trabalho parecido, empenhado como um pesquisador que se debruça, noite e dia, sobre seu PhD em canção americana.

A crítica não tem sido muito generosa com nosso gordinho, apesar de (quase) nunca perder o respeito. É como se todos ficassem esperando uma nova revolução musical ou simplesmente a repetição da falecida e genial banda. Mas o cara está em outra e parece que ninguém entendeu. Recentemente, uma resenha telegráfica de seu último e excelente disco Fast Man Raider Man, publicada na Folha de S. Paulo, destoou do tom geral respeitoso. Frank Black foi chamado de cantor de barzinho, alguém que se diverte mais tocando do que aqueles que estão ouvindo.

Pode ser, mas há que se dizer: depende de quem estiver ouvindo. Nós, Diogo Barba Ruiva e Rodrigo Celso achamos que o cara tem mandado bem demais. Para alguém que já entrou para a história do Rock e é citado como influência crucial por 9 entre 10 bandas, inclusive o Nirvana, não deve ser muito estimulante fazer a mesma coisa de novo outra vez.

“Não deixe o samba morrer/ Não deixe o samba acabar”, diz a letra conhecida, que Frank Black aprovaria: deixemos a revolução para os mais novos. Agora se trata de virar pesquisador e recuperar a tradição. Ou melhor, fazê-la renascer; recriá-la para enriquecer o repertório musical do mundo contemporâneo contra a mesmice e a padronização. E quem sabe, tentar entender melhor a própria "revolução Pixies": traçar sua história desde os primórdios.

Fast Man Raider Man não é tão estranho quanto andam pintando. Já se leu que ele “parou de gritar”, que não faz mais “rock com raiva”, mas quem acompanhou os discos lançados nos últimos anos sabia o que estava vindo: uma espécie de tributo à música de raiz americana. Os músicos que participaram das gravações são artistas consagrados de Nashville, “lendas do folk”, como definiu um locutor de rádio dos USA. Não é novidade nenhuma que o pai do indie-rock e do grunge não se preocupe mais em causar impacto.

Frank Black já foi a vanguarda do rock, quebrou barreiras, criou um estilo de música, definiu parâmetros. Esse tempo já se foi. Esperanças de uma nova revolução podiam ser depositadas em Frank Black (1993) e Teenager of The Year (1994), discos tardios do Pixies sem o resto da banda presente. Mas a partir de Cult of Ray, tudo mudou. Ali começa a retrospectiva: o disco é um tributo ao punk, movimento musical que mais influenciou os Pixies. Estão todos presentes: Husker Dü, Clash, Ramones, My Dad is Dead, Iggy Pop. Charles Thompson (o nome verdadeiro do gordinho) não é bobo. Tudo em The Cult of Ray (1996) dá a pista de que ele não quer mais ser “o cara do Pixies”. Até o timbre de sua guitarra estava diferente.

Outra evidência gritante é o trabalho seguinte: Frank Black and The Catholics (1998). Do punk, Black vai para o rock dos anos 70. Simples assim, cronológico. Agora ele tinha uma banda oficial, The Catholics. O surgimento dos “católicos” e a balada folk-gospel "Six-Sixty-Six" eram o anúncio oficial do seu novo projeto musical. Os instrumentos soam diferentes, o método de gravação era uma referência explícita à pouca tecnologia de trinta anos atrás: todas as faixas foram gravadas em uma mesa de quatro pistas sem cortes ou edição, ao vivo. Mais ou menos como se fazia antigamente.

Aos poucos, o country e o folk foram incorporados, mas muita gente demorou para perceber e muitos ainda não perceberam; ainda à espera de um disco genial, uma nova pequena revolução. Talvez o fato de Black lançar dois álbuns por ano tenha deixado os críticos sem tempo de refletir sobre o que estava acontecendo. A antiga reivindicação sempre foi mais forte: cadê o cara do Pixies?

Se mandou. Não é isso que Frank Black quer fazer. Ele quer se divertir, pesquisar músicas de rock dos anos 40 no site do museu Smithsonian e interpretar artistas folk esquecidos (como P.F. Sloan). A revolução é para os mais jovens. Sempre foi assim no rock e na política. Os subsídios para que as novas gerações o façam ele já deixou: Surfer Rosa, Doolittle, Bossanova, Trompe Le Monde, Frank Black e Teenager of The Year. Agora é hora de se preocupar com outras coisas. Como diz a letra da música "Bullet", de Dog In The Sand :

  • “And by the way/ If the Revolution comes/ Please take my rifles and take my guns/ a single bullet loaded in each one”
    (E a próposito/ Se a revolução vier/ Pegue meus rifles e pegue minhas armas/ Uma só bala carregada em cada uma).

Se a revolução chegar, me chame que eu ajudo. Mas não conte comigo para estar na vanguarda, não conte comigo para dar o primeiro tiro. Ou, como diria Mestre Yoda, "distúrbios na força sinto eu, lutar pela República preciso é, mas muitos tiros dar não vou".

:: postado por Rodrigo Celso e Diogo BarbaRuiva