29 janeiro, 2007

Curtas [Discos que passaram em branco]


Apesar do título, o álbum em questão não passou em branco por mim, mas pelo resto do mundo (exagero, mas de certa maneira verdadeiro). Therapy? é uma banda irlandesa que surgiu no final dos anos 80 e que redimensionou o rock pesado. Já vi algumas pessoas tentarem dar um rótulo para o som deles, mas nenhum que realmente valesse a pena. Se eu fosse idiota o suficiente para tentar fazer o mesmo, diria que o Therapy? é uma mistura de Iggy Pop, Elvis e Black Sabbath. Mas eu não vou dizer tanta besteira assim.

O peso do Therapy? não impediu um momento pop como o do disco Infernal Love (1995). Dizer pop é forçar a barra um pouco, mas se considerarmos os disco anteriores, Infernal Love é muito mais palatável para quem não é fã de rock muito pesado. Há elementos de música eletrônica (muito sutis, apenas ligando as faixas), punk rock do tipo que tocaria no rádio, baladas perturbadoras e um ska. A julgar pela fúria que vi nos fóruns da internet, nenhum fã do Therapy? gostou do disco.

Mesmo assim, nós podemos gostar de Infernal Love. Antes, a banda era mais uma tentando fazer um som pesado e perturbador, com a desvantagem de não terem acesso aos grandes mercados por serem locais. A partir da primeira faixa, "Epilepsy", já se nota um novo ar na saturação do Therapy?. E como eu já havia dito, novas possiblidades foram exploradas, algo raro de acontecer com uma banda de heavy metal. Só consigo pensar um único exemplo além desse, que é o Metallica.

Não é a só a música, porém. O mérito também residiu na competência de fazer música raivosa sem cair em clichês. Nunca achei Andrew Cairnes (líder, guitarrista e vocalista) genial, mas em Infernal Love ele chegou perto disso. Ele mostrou que a raiva que normalmente culpa os outros por tudo é um processo mental pessoal; não é o mundo que é simplesmente fodido, mas a nossa cabeça também.

Vivemos em lugar meio doente, cheio de tentações e deuses (Jesus e Judas são citados em duas faixas), nos vestimos de mulher (Let me try on your dress/It turns me on when we're a mess - "Loose"), temos desejos de assassinato e estupro (I think I'll just rape you and kill you - "Diane"), tudo o que vemos e pensamos passa pelo sexo (Your lips like bruised vulva/And your ass like Jesus feet - "A Moment of Clarity"), mas há uma luz no fim do túnel no final (literamente: "There is a light at the end of the tunnel" - "30 Seconds").

Bobagem pensarmos que somos escravos do mundo e das circunstâncias, somos reféns dos nossos impulsos por escolha própria. Todas as coisas feias, sujas, cheias de fluidos corporais, os desejos de incesto, de assassinato e de auto-piedade são corriqueiros em Infernal Love. Quem canta ali é alguém que sabe que ser racional também passa por conhecer o lado escuro da própria mente. É alguém que se olha no espelho com raiva, mas que entendeu quanta atenção devemos dar para esse lado não tão aparente.

Andrew Cairnes não sentiu vergonha de parecer pop a seus fãs. Ele sabia até onde podia levar o som do Therapy?. Mais tarde, a banda voltou ao estilo mais cru, menos refinado emocionalmente, que os consagrou. Nos discos posteriores ainda pôde ser sentida a influência que Infernal Love exerceu na banda, mesmo que de uma maneira muito sutil. Quase como se fosse o álbum de alguma outra banda.

:: postado por Diogo BarbaRuiva - eugarimpo@hotmail.com