03 fevereiro, 2007

Muito mais do que apenas diversão

Às vezes o Rock pretende ser mais bem mais do que apenas diversão. Nessas ocasiões, fala de temas profundos como a existência humana, a política e o amor, despindo-se de todos os clichês. Dessa forma, nasceram artistas como Velvet Underground, Sonic Youth, Einstürzende Neubauten, Vzyadoq Moe, entre outros, que além de sofisticarem seus temas e letras, também são musicalmente inovadores. É como se o assunto de que desejam falar não coubesse mais nas formas musicais existentes e eles fossem obrigados a criar algo inusitado, um som jamais ouvido.

Não é necessário tomar partido: fazer algo dessa natureza não é melhor ou pior do que fazer um som apenas divertido. A questão é saber o que o rock tem para oferecer a seus ouvintes: "just fun" ou também pensamentos profundos, questionamentos sociais, problemas políticos etc, etc. Na minha opinião, quanto mais problemas e assuntos uma determinada forma artística tentar abarcar, mais ela irá se desenvolver. Não gosto de ortodoxias nem de paixões avassaladoras e dogmáticas quando se trata de Rock. O “verdadeiro” Rock ainda está para ser inventado. Quem quiser ditar regras e dizer o que é certo e errado, que vá virar ditador de alguma republiqueta e deixe a música em paz.

A idéia de que o rock tem o dever de divertir atrapalha muito o desenvolvimento do gênero. Além de divertir, ele pode incomodar tornando-se praticamente inaudível como o Einstürzende Neubauten dos primeiros discos, que mais pareciam gravações diretas de um canteiro de obras do que canções. Para mostrar e fazer sentir o horror que alguém sente diante do mundo, nada melhor do que criar texturas e climas agressivos utilizando furadeiras, serras, chapas de aço e berrar a plenos pulmões letras desesperadas. Esse tipo de som não vai embalar sua balada, não vai servir para você conquistar alguém (pelo menos um certo tipo de alguém...), mas vai te fazer sentir e pensar coisas inusitadas, incômodas. Vale experimentar.

A pretensão de produzir coisas assim sempre esteve em falta no rock brasileiro. Quando aconteceu, durou pouco, também porque nosso mercado é pequeno. Se bandas de Emo têm dificuldade para se manter, imagine uma banda como a maravilhosa Vzyadoq Moe, cujo primeiro disco saiu em 1987 pela Wop Bop, diretamente para a obscuridade. Seguindo a trilha do rock industrial europeu, a banda falava de temas metafísicos batucando em chapas de aço e tecendo canções extremamente difíceis de ouvir. Os caras tinham entre 15 e 17 anos.

Vi um show deles ao vivo nesta época, não lembro se 1989 ou em 1990, no Centro Cultural Vergueiro. Foi uma revelação. Eles me fizeram sentir menos estranho, afinal, algumas pessoas não curtem sua crise adolescente lendo Paulo Coelho, Lia Luft e ouvindo Charlie Brown Jr., mas lendo Baudelaire, Rimbaud e ouvindo Velvet, The Doors.

Minha música favorita, que hoje se pode ouvir em CD, ainda é “Expansão”. É a faixa mais bem resolvida de todo o álbum, misto de canção e declamação de poesia. Guitarra e bateria repetem as mesmas notas e batidas por mais de seis minutos, variando o andamento em alguns momentos. Criam assim a estrutura básica para vocais que alternam sussurros e gritos, além de intervenções sonoras, efeitos e distorções constantes que criam um clima tenso. A faixa segue em progressão monótona, mas sem dar sossego ao ouvinte, a não ser em seu fecho: o barulho de algo que se quebra.

Esta estrutura está em total acordo com a letra, que fala de algo que se expande tanto que deixa de existir, como um pensamento que tenta abarcar tudo mais se vê impotente diante da enormidade daquilo que deseja pensar:

Santuário das Almas, longínquo;
O mar negro em que encontras
- De-me tuas mãos,
Não tenhas medo –
Além desta expansão.
(...)
“Ah... Estou tão grande agora
que não mais me enxergo.”

Nada mal para moleques entre 15 e 17 anos...

Para mim, essa era a crise da adolescência: pensar coisas que eu não conseguia abarcar ... e não consigo até hoje, como o bem e o mal, a justiça, a igualdade humana, a liberdade e o amor. A diferença é que hoje, estou um pouco mais acostumado em fracassar diante desses temas. Quer dizer, nem sempre. Às vezes dá vontade de gritar de desespero, como fazia o Vzyadoq Moe, na compania de Sonic Youth, The Doors, Goethe, Rimbaud, Rilke, Baudelaire, Drummond, Murilo Mendes e tantos outros.

Se às vezes você também se sente assim, monte uma banda de rock para aliviar seu sofrimento e grite nos nossos ouvidos. Eu estarei aqui para aplaudir. Antes disso, uma sugestão: ouça o disco do Vzyadoq, leia um poema do Rimbaud e outro do Murilo Mendes, quem sabe do livro "Poesia liberdade"; isso só para começar. Garanto que vai te ajudar.

:: postado por Rodrigo Celso - eugarimpo@hotmail.com