26 janeiro, 2007

Não temos vergonha de dizer: "Precisamos de Chuck Berry!"

"O mercado daqui é fraco, não tem rock. Ou tem as bandas de metal e o pop rock, que não é rock. Precisa de mais Chuck Berry na veia."
Bárbara Vieira, 14 anos, falando ao Folhateen

Na última segunda-feira (22/01) o caderno Folhateen da Folha de S.Paulo publicou uma reportagem (“Bye bye Brasil”) sobre jovens que dizem não gostar da cultura brasileira. As reclamações passaram pela comida, televisão e música do Brasil. Para uns era uma questão de gosto, para outros, uma situação estrutural. No caso da música, uma observação foi bastante precisa, a de Bárbara Vieira, 14 anos de idade; para ela, falta um mercado de rock nacional, por isso ela prefere as bandas estrangeiras.

Essa é uma questão que sempre acendeu intermináveis debates em mesas de bar: o rock nacional presta ou não? Não pretendo apontar uma resposta para essa questão. Prefiro analisar uma outra pequena repercussão da matéria citada intitulada “Adolescentes tiram pensadores do sério”, que foi publicada na mesma edição do Folhateen.

No Brasil, pouca gente entende de rock. Bárbara está coberta de razão, não há mercado para esse estilo de música. Não há tradição de uma imprensa especializada. Poucas vezes se deu atenção às minúsculas cenas locais. Conseqüência disso talvez seja a falta de bandas nacionais que realmente se destaquem por sua música. Os Mutantes, Los Hermanos, Rita Lee, são os pouquíssimos exemplos que eu ouso enumerar aqui.

Aqui no nosso país, temos trauma de termos sido colonizados. Sempre temos de provar para nós mesmos o quanto todos os nossos atos são autênticos. Procuramos obsessivamente desvincular tudo o que produzimos da influência estrangeira. Não pretendo entrar no mérito das conseqüências boas e ruins que a nossa colonização acarretou. Mas essa é uma questão um tanto ultrapassada hoje.

O fato é que a informação circula de uma maneira muito mais rápida agora. Todos temos acesso instantâneo ao que era impossível antes: discos, veículos de mídia, blogs, etc. A cultura estrangeira, especialmente a americana, tem um poder muito grande de disseminação, e não é de hoje. Eu olho para os vinis do meu irmão mais velho e percebo que a cena musical é mundial faz tempo.

Algumas pessoas se sentem assustadas com a abrangência da penetração da cultura estrangeira, porém. Isso gera um sentimento de rejeição, de recusa a ver aquela influência como algo que pode ser positivo. No mundo em que vivemos não se pode mais falar em cultura nacional como se isso fosse algo fácil de definir. E é justamente nesse ponto em que quero insistir.

Francisco de Oliveira, um reconhecido sociólogo brasileiro, criticou os jovens da reportagem “Bye bye Brasil” e disse que “esses jovens estão exagerando no hambúrguer e na Coca-Cola”. Interpretemos a frase: a conclusão é de que estamos exagerando no nosso “consumo” da cultura estrangeira.

Pode até ser (qual é a medida para esse "exagero"?), mas como ele espera que esses jovens recebam essa frase se faz parte da cultura deles comer hambúguer, tomar Coca-Cola e ouvir rock? Ao dizer isso dessa forma, o professor cortou a possibilidade de diálogo com toda essa parte juventude. Aparentemente, ele desconsidera o fato de que a cultura é mutante, de que as referências sempre mudam. Como se a cultura brasileira estivesse numa caixa fechada, sempre igual, e cada pessoa tivesse o dever de pegar sua cota e levar para casa.

“Cultura é intercâmbio, influência; não é livro embaixo do braço”, disse o professor aposentado da USP. Pois bem. Que tenhamos intercâmbio, então, que a “cultura brasileira” seja reformulada também. Ou tudo que é nacional deve ser necessariamente valorizado, inclusive o que temos de retrógrado, autoritário e de má qualidade?

A idéia de "cultura brasileira" não diz muita coisa para uma série de pessoas. Aliás, pergunte a dez alemães o que ele acham da "cultura alemã". Uma boa parte vai torcer o nariz e identificá-la com seu passado autoritário. A "cultura brasileira" também deve ser entendida e encarada como uma questão permanente, algo em mutação, e não como uma série de conteúdos fixos, como um "problema" que pede uma única solução. As "soluções" serão sempre variadas. Ninguém é dono da verdade em matéria de cultura.

Não podemos conhecer tudo que está disponível. Fazemos opções. Podemos identificar a "cultura brasileira" também pelas escolhas que ela faz, pelas influências estrangeiras que são absorvidas, seletivamente, pelos brasileiros. Nem toda porcaria que toca no exterior faz sucesso aqui. A absorção é seletiva e pode ter duas vias. Quando somos realmente bons, também temos a capacidade de influenciar: é provável que Os Mutantes tenham tantos fãs brasileiros quanto estrangeiros. Não foi à tôa que se reuniram em Londres e não em São Paulo.

Falando por mim, eu cresci ouvindo rock; gosto também de música brasileira, mas a minha “identidade cultural” passa necessariamente pela música estrangeira. Não sou menos brasileiro (em um sentido amplo) do que alguém que conhece profundamente a obra de Caetano Veloso. Minha formação cultural foi diferente.

É preciso parar de perder tempo com essa discussão velha dos males da influência estrangeira e da desvalorização da cultura nacional. Ela não é a mesma de 40, 50 ou 60 anos atrás. O Brasil é o país do Carnaval, das raves, dos grandes festivais de rock e do manguebeat.

:: postado por Diogo BarbaRuiva - eugarimpo@homail.com