04 janeiro, 2007

Filhos de quem? Filhos da p...?


Tem gente que divide o Rock em alguma coisa que chamam de “pura” e outra coisa que chamam de “mistura” e, com esse modo de ver as coisas, vão analisando o mundo. Rock + Funk = Red Hot Chilli Peper; Rock + Eletrônico = New Order, Rock + MPB = Los Hermanos e assim em diante. Não gosto desse jeito de pensar. O Rock (todas as suas variantes) sempre foi o resultado de misturas variadas, desde o som de Elvis até os Sons and Daugthers, banda escocesa sobre a qual quero escrever.

Bluegrass, Blues, Country, MPB, Funk, Rap: tudo isso já foi misturado com mais ou menos talento, com mais ou menos sucesso. Na minha opinião, o som de uma banda só soa como uma “mistura” quando é ruim. Para quem tem talento, a “mistura” na verdade é a capacidade de criar um som próprio, que se assemelha a várias outras coisas, mas que soa singular.

É mais ou menos como uma caipirinha. Quando bem feita, a mistura de pinga com o gelo, açúcar e limão se torna uma outra coisa. Algo mágico e delicioso acontece no copo; algo que não se explica pela mera mistura dos ingredientes. Nesse processo, a mão do barman (ou barwoman) é essencial.

Uma caipirinha ruim não merece sequer este nome. É desesperador: o limão com casca no fundo, o açúcar soterrado pelo limão e a pinga por cima, jogada com displicência sobre cubos de gelo imensos que atingem nosso nariz e molham nossos óculos. Pesadelo total.

Para tentar salvar nossa bebidinha (que chega a custar 7, 8, às vezes 10 reais) ficamos tentando apertar o limão com o dedo, com o canudo e sacudimos o copo, irritados, para ver se a mágica da “mistura” se produz, mesmo diante da incompetência do barman (woman). Quase sempre é um esforço vão. É muito difícil desfazer uma cagada desta idade.

Sons and Daughters fizeram a “mistura” direitinho em seu álbum de estréia The Repulsion Box, lançado no Brasil pela Trama. Fácil identificar o punk e o folk e de lembrar dos The Pogues (irlandeses), do Echt! (tchecos), entre tantos outros, inclusive do genial Chico Science & Nação Zumbi e sua mistura de uma pegada de rock mais pesada com ritmos brasileiros.

A voz em primeiro plano deixa claro que esses filhos de não sei quem querem que escutemos o que eles têm a dizer. As letras são diretas e cantadas com clareza. As músicas não são climáticas; não apelam para a sensação de plenitude como fazem as bandas que beberam do som psicodélico. Guitarras cortantes e ásperas querem atingir e não envolver. “In your face”, diriam os americanos.

Diretos como os Sex Pistols; diretos como Johnny Cash: “Hit me hit me hit me/ I am already on the ground” diz o primeiro verso da primeira música, “Medicine”, dando o tom do disco inteiro. Todas as letras são assim, poucas metáforas, poucas figuras de linguagem, muito discurso direto. Trata-se sempre de alguém que se dirige a outrem (uma mulher, um amante, um desconhecido) para dizer-lhes certas coisas: “você pode me salvar da depressão”, “eu te amo, mas quero te esquecer” etc.

A música, pouco importa de que estilo, trata quase sempre do amor perdido, da paixão não correspondida etc. etc. Os Sons and Daughters não são diferentes: visitam esses lugares comuns sem problemas. Nada de política, nada de aquecimento global, apenas questões de relacionamento. Sua originalidade está num certo tom ácido, agressivo, convulso, muitas vezes irônico, que marca todas as letras. Se eu tivesse terminado um namoro ou um casamento com alguma mulher bem fdp eu certamente gostaria de dedicar-lhe “Monsters”, sétima faixa do disco.

Talvez não seja forçado dizer, para responder à questão que está no título deste texto, que os Sons and Daughters são, na verdade, uns belos fdp. E digo isso sem querer ofender: fdp no bom sentido. Fdp como um jogador que marcou um gol genial; fdp como alguém que fez algo sensacional. Portanto ouçam, queridos leitores; seu bando de fdp! Não vai mudar suas vidas, mas certamente os Sons and Daughters são mais interessantes do que praticamente todas as bandas da cena atual. O que não é muito, mas também não é pouco.

: : postado por Rodrigo Celso - eugarimpo@hotmail.com