para J. R. Rodriguez
Prezado Rodrigo Celso,
Não foi com surpresa que li teu artigo “Chico & Caetano, Rock e Rôla”. Há muito que sou teu leitor assíduo. Sei que você olha com tesão para a ebulição sexual, mental e política da década de 60 sem achar que está olhando para lá do espelho retrovisor. Temos isso em comum. Como sempre, acho do caralho as tuas tiradas. Nesse texto da rôla, a que gostei mais foi a da vagina com responsabilidade social.
Prezado Rodrigo Celso,
Não foi com surpresa que li teu artigo “Chico & Caetano, Rock e Rôla”. Há muito que sou teu leitor assíduo. Sei que você olha com tesão para a ebulição sexual, mental e política da década de 60 sem achar que está olhando para lá do espelho retrovisor. Temos isso em comum. Como sempre, acho do caralho as tuas tiradas. Nesse texto da rôla, a que gostei mais foi a da vagina com responsabilidade social.
Minha surpresa foi de você achar que botar a rôla para fora contesta o zíper da caretice em que se acha o mundo. É como se isso bastasse. Como assim “Hoje, foder é mais importante do que votar. Vamos falar então de amar e foder”? Que porra é essa? Quer dizer: já que a política foi para o espaço mesmo, vamos ficar falando de umbigo (ou de cu, tanto faz)?
Cara, isso é exatamente a caretice. É conformismo puro. Foda-se o mundo, foda-se a política, vamos falar do que sobrou: cu, vagina, rôla, umbigo. Fazer música à altura de um mundo como esse é que é conformismo. Cê é a expressão mais acabada da rendição a esse mundinho de que só se sai com ecstasy. Até a imaginação precisa ser sintética.
A moral da tua história é a seguinte:
“É preciso recuperar a ligação entre sexo e revolução, entre liberdade sexual e um novo ideal de mundo, sem a ilusão de que esse mundo novo se faz apenas de amor e fraternidade. Isso aprendemos com os ‘hippies’ nos anos 60. Como articular tudo isso às questões econômicas e políticas? Uma pista: todos estes problemas estão diretamente relacionados com a esfera do trabalho que, ainda hoje, oprime e preocupa toda a humanidade. Há muito a se fazer e parte da solução, desconfio, deve ser pensada na contradição entre sexo e trabalho capitalista. Nem a música nem a política de esquerda têm conseguido colocar o problema corretamente. Na minha opinião, Caetano está no caminho e Chico perdeu a mão. Virou um clássico, ou seja, morreu... pelo menos até o próximo disco. Não devemos subestimar esses sessentões geniais”.
Como é que você pode achar que a mediocridade adolescente de Cê pode colaborar em alguma coisa para isso? Bom, você ainda está procurando alguma “contradição fundamental” no capitalismo. Se ela ainda existe, certamente não será entre sexo e trabalho capitalista, como você diz. O reverso do trabalho capitalista é a punheta e o filme pornô. Não há contradição nenhuma aí.
Contradição entre sexo e capital, então? Sei lá. Mas, de novo: em que Cê põe essa contradição? Em nada, companheiro. Apenas dá corda para egotrips de todo tipo, tanto bad trips como outras trips. Aliás, tem mesmo a cara da TRIP, daquela revistinha cheia de funcionárias lolitas que ainda não tiveram oportunidade de realizar todo o potencial de responsabilidade social de seus peitinhos.
Não sei de que Chico Buarque você está falando. Aquela merda de barquinho da Bossa Nova já foi faz muito tempo. Afundou com Nara Leão e Carlos Lyra, para ficar em apenas duas figuras. A impressão que o teu artigo me dá é de que Chico regrediu para antes da virada política e cultural dos anos 60. Foi Carlos Lyra quem primeiro usou a expressão “Música Popular Brasileira”. Juntou o povo do morro com a turma da Bossa Nova do mesmo jeito que Noel e Almirante antes dele.
Tá, concordo que Carioca não ajuda muito a sair do atoleiro. Mas pelo menos tenta rolar morro abaixo. Rôla por rôla, Chico também canta: “É lenha, é fogo, é foda”. É ele quem, nessa melhor música do disco (“Subúrbio”) detona as vaginas com responsabilidade social. (Falando nisso, ouça de novo “Dura na Queda”, ok?).
Tá, é desesperado. Ele fica chamando a perifa a falar. E não sabe bem como ela fala. Mas pelo menos ele diz que, se algo vier, vem de lá. Quando canta “É lenha, é fogo, é foda” mata pela segunda vez a Bossa Nova, mata nada menos do que “Águas de Março”, que, à sua maneira, já era uma morte. (É que você botou o povo do “Coletivo MPB” no meio do teu texto. Eita povo que gosta de morte, não?). Chico pelo menos tenta conectar a experiência atual com aquela maresia que vem da década de 60. Chico pelo menos tenta fazer uma necropsia bem feita da caretice e da nossa encalacrada. É melhor que se submeter sem peias à mediocridade de uma sexualidade estandartizada, como fez Caetano, você não acha?
Bom, esse troço já tá comprido demais. Hora de trabalhar.
Com um abraço enrolado do
Chico Brito e do Melo Buarque
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RÉPLICA do Rodrigo [bem curtinha]
Queridos Chico Brito e Melo Buarque,
Não sei se o assunto "sexo" deva ser encerrado nos anos 60. Foi o começo de uma discussão que não acabou. Certo: não é a contradição fundamental do capitalismo, até porque, como eu mesmo disse, falar de sexo é uma tarefa entre outras. O que não entendo é o seguinte:
OK, concordo, a solução é a política. Por isso mesmo, eu mesmo disse que o problema é ligar tudo isso com a ação política. Mas qual é o assunto da política, ou melhor, quais são os assuntos? Jogo de poder, manobras diversionistas ou também os problemas existenciais, inclusive o sexo, nesse mundo cada vez mais babaca (não graças a vocês, queridos companheiros!)?
Ser adolescente como Caetano é ser fiel ao nosso tempo de sexualidade embrutecida e estandarizada, que não se permite falar de pinto e buceta a não ser em contextos médicos ou pornográficos. Num Brasil em que a sexualização machista se torna linguagem da publicidade, dos filmes, das novelas e de quase todas as relações humanas, isso está na ordem do dia.
Caetano fala de sexo como problema existencial, tentando construir um amor menos idealizado e um sexo menos pornô. Não vejo nada de careta nisso. É só a consciência de que a festa do amor livre não funcionou e é preciso que nos perguntemos, como faz o Pink Floyd em Summer '68, depois de noites e noites de foda, algo ironicamente: "How do you feel?" Não que isso devesse importar, diz a letra, mas fica o incômodo de se imaginar que 68 tenha ficado apenas na superfície da questão. Trepou-se, trepou-se e quase nada mudou, nem a repressão sexual, de volta com tudo, cada vez mais internalizada e medicalizada.
Qual o assunto; quais os assuntos da política? Devemos dizer para o mundo que ele está errado ao pensar o que pensa ou tentar explorar o senso comum para levá-lo para além de si mesmo? O desprezo pela política se combate como? Se hoje, para muita gente, foder é mais importante do que votar, ora, vamos falar disso e mostrar as mediações que levam à ação política. Ela não brota do nada, não nasce mais apenas dos partidos, não está encerrada apenas no coração dos militantes. Nos dias de hoje, precisamos mostrar, entre diversas outras coisas, como é possível fazê-la brotar da rola de Caetano, ou melhor, da rôla e da boceta de todos nós.
Meu desespero é imaginar que estejamos parados, esperando alguma coisa acontecer do nada, sem trabalhar para construir as mediações todas. Como não há mais "centro" nem "contradição fundamental", temos que trabalhar em várias frentes ao mesmo tempo. Um bom lugar para começar, uma tarefa entre outras, nem a única, nem, talvez, a fundamental, é falar de sexo e capitalismo. Falar de qualidade de vida e capitalismo. Falar de amor e jornada de trabalho.
Desse material foi feita boa parte da política do reconhecimento dos movimentos sociais europeus e norte-americanos, da política do Estado Social de todos os países (como mostra a palavra de ordem dos trabalhadores na luta pelas 8H de trabalho: "Eight hours to work, eight hours to PLAY, eight hours to sleep, eight scheelings a day") e, acho eu, ainda vai sair muita coisa. Caetano está olhando para o lado certo e Chico pelo retrovisor. A periferia vai falar? Meu, fala sério, tipo assim: quem é mais adolescente?
O reverso do trabalho capitalista não é a punheta e o filme pornô, como dizem vocês. Essa é sua face explícita: compra e venda etc. No reverso do trabalho capitalista está a supressão da afetividade e da espontaneidade que Caetano tenta retomar em "Cê", sem o frescor de 68, fique claro, mas mesmo assim, amigo, super-valeu.
Para terminar, queridos Chico Brito e Melo Buarque, nada de ficar com esse medo bobo do pinto alheio. Se vocês não provocarem, ele não vai morder. E se resolverem provocar, não vai machucar nem matar ninguém. E, tipo, sei lá, tem gente que adora a experiência.
Grande abraço (por trás) do amigo
Rodrigo Celso
:: postado por Chico Brito, Melo Buarque e Rodrigo Celso
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