21 fevereiro, 2007

Livro: "Roberto Carlos em Detalhes" [de Paulo Cesar de Araujo]

"Roberto Carlos em detalhes " (ed. Planeta, 2006, 503 pgs), primeira biografia do Rei, nasce com um gosto amargo devido ao processo judicial que o biografado move contra seu autor. A alegação é de violação de privacidade e de prejuízos ao ineditismo de uma possível futura autobiografia de Roberto.

Não há decisão final da Justiça, portanto, não há como avaliar corretamente a questão. Para este blog, esta polêmica não importa mais do que o conteúdo do livro. Ao relatar os detalhes da carreira do Rei, Paulo Cesar de Araújo conta boa parte da história do rock brasileiro.

De quebra, ficamos sabendo de coisas bestas como a hora exata em que Roberto traçou a cantora Maysa, entre outras “lebres abatidas”, para usar a linguagem sexista da época. Mas estas informações não chegam a comprometer a qualidade do livro, fruto de uma pesquisa cuidadosa e detalhista.

Diga-se, como crítica, que não poucas vezes o autor toma partido do biografado, perdendo completamente sua neutralidade de historiador e jornalista. Mas pelo menos o livro não se arrisca em análises do mito Roberto Carlos e suas relações com a cultura, limitando-se a registrar organizadamente uma imensa quantidade de fatos e depoimentos sobre o Rei.

Entre esses fatos, estão vários episódios dos primórdios da indústria cultural no Brasil. Particularmente interessante é a ação da Rede Record que insuflou e manipulou o conflito entre MPB e Rock nos idos dos anos 60. Lembremos que essa rede veiculava tanto "O Fino da Bossa", apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues, quanto "Jovem Guarda" de Roberto, Erasmo e Walderléia.

O conflito estético entre defensores de uma música genuinamente brasileira e os reis do iê iê iê, influenciados pela música estrangeira, foi transformado em espetáculo circense pelos organizadores dos festivais que, deliberadamente, escalavam artistas de rock para provocar vaias públicas. Estes, obrigados por contrato a defender músicas alheias, aparecem como autênticos bois de piranha ou gladiadores jogados aos leões de um circo dominado pela MPB.

Destaque-se o retrato de uma indignada Elis Regina, ensaiando a criação de uma lista negra para artistas que tocassem no programa Jovem Guarda, proibidos de tocar n' O Fino da Bossa. O livro faz lembrar que, anos depois, a moça se redimiu, gravando músicas de Roberto e Erasmo, sob o influxo democratizante do Tropicalismo, responsável por fazer a patrulha estética perder a força.

A Rede Record chegou a estimular seu "cast" de MPBistas a fazer uma passeata anti- iê iê iê, que contou com a presença de Gilberto Gil, Elis Regina e Geraldo Vandré, retratado no livro como o líder raivoso e intransigente desse movimento, sob os olhares inconformados de Caetano Veloso e Nara Leão, já nesse momento, admiradores declarados do Rei e defensores de uma estética menos excludente.

O livro relata outros episódios nada edificantes em que as gravadoras, abertamente, manipulam a obra de seus contratados, dizendo o que eles devem ou não devem gravar, entre outros atos arbitrários, paternalistas e mesquinhos. Paulo Cesar de Araújo não dá o destaque devido a estes fatos, mas não deixa de mencioná-los e reconstituí-los em detalhes.

Particularmente revoltante foi a ação de Rede Record de contratar Ronnie Von apenas para neutralizar sua crescente popularidade, passível de ameaçar o reinado das jovens tardes. O boicote foi aberto: nenhum artista que se apresentasse na Jovem Guarda poderia se apresentar no programa que ele comandava.

Além desses episódios de crônica policial, há trechos mais amenos e divertidos. O autor nos apresenta à turma da Tijuca, uma das precursoras do Rock no Brasil, que reunia, entre outros, o Rei, Erasmo Carlos, Tim Mais e Jorge Ben. O livro deixa claro que, sem dúvida, o roqueiro maior dessa geração foi Erasmo Carlos e não o Rei.

A relação de Roberto com o rock foi sincera, mas estratégica. Deveu-se, em grande parte, às oportunidades que apareceram ao longo de sua carreira. A impressão que se tem é que o Rei queria ser artista e ponto final, pouco importava se cantor de rock, samba, baião, forró; topava qualquer negócio.

Rei gostava de Rock e circulava no meio roqueiro, mas sua essência sempre foi o samba-canção, o bolero, ou seja, o repertório romântico que ele até hoje defende. Isso não o impediu de compor rocks clássicos valendo-se do caldo cultural que se formava à sua volta, mistura de inúmeros músicos e bandas, paulistas e cariocas, bons técnicos, bons produtores, todos amantes do Rock'n'Roll. O livro dá um bom panorama da cena da época, embora não seja esse seu foco.

Acrescente-se a este ambiente favorável o parceiro Erasmo Carlos e seu talento incomum para compor canções precisas e concisas, de alto poder comunicativo. Não é à tôa que Roberto e Erasmo, juntos, são responsáveis por boa parte do imaginário romântico e roqueiro de nosso país, pelo menos até a década de 80.

Por essas e por outras, o livro é imperdível, à despeito dos detalhes dignos da revista Caras. Mas enfim, o Rei é um fenômeno POP. Muita gente quer mesmo é saber quando, como o onde ele papou a Maysa, a Miriam Rios, a Sônia Braga, algumas fãs etc e etc. Quem procurar o livro com esse espírito, não ficará decepcionado. Tem fofoca para Nelson Rubens nenhum botar defeito.

:: postado por Rodrigo Celso - eugarimpo@hotmail.com