03 setembro, 2007

Quanto Mais Idiota Melhor?


:: Rodrigo Celso


É difícil imaginar uma música mais idiota do que “Pablo Picasso” dos The Modern Lovers. A letra, uma suposta homenagem ao grande pintor espanhol, não fala de seus quadros genais, como “Guernica” ou das “Demoiselles d’Avignon”. A música celebra sua capacidade de pegar mulheres: apesar de feio e baixinho, Picasso mandava muito bem com a mulherada. Difícil não dar risada e não ser simpático a essa canção que, claramente, tira sarro da intelectualidade nova iorquina (e de todo o planeta por tabela), com seu tom cínico e desencanado, pegando uma figura central da cultura ocidental e louvando outro aspecto de sua “genialidade”.

Na minha opinião, os “amantes modernos” deram o pontapé inicial (ou pelo menos levaram à perfeição) no que vou chamar de estilo “quanto mais idiota melhor”, que vive seu auge no rock-pop atual (também no cinema, na TV, etc), em bandas como Artic Monkeys, os brasileiros do CSS (Cansei de Ser Sexy) e outras que disputam para ver quem fala mais bobagem, quem se veste de bichinho da maneira mais estúpida e quem produz a música mais vazia e sem sentido.

Na verdade, não sei se tudo isso começou com os The Modern Lovers, mas ao que parece, começou mesmo
em Nova Iorque. De lá vieram os Ramones com suas letras abertamente cínicas e imbecis e os New York Dolls, uma das bandas mais sem sentido da história. Ambas marcaram a passagem dos anos 70 para os anos 80 com sua postura “eu estou pouco me fodendo com o mundo”, “vamos falar de quadrinhos, de festa, de bobagens e deixar tudo de lado”.

É claro que, naquela época, isso era muito transgressor. Os EUA e o mundo viviam o auge do neoliberalismo; o nascimento da era yuppie em que tudo o que importava era ganhar dinheiro, vestir ternos caros, comprar carros de centenas de milhares de dólares, cheirar cocaína e viver sob as regras do capitalismo em expansão. Dar uma banana para tudo isso e falar bobagem, desencanar de tudo e gritar “Gabba, Gabba Hey!” significava desprezar as corporações e suas regras, desprezar a sanha por ganhar dinheiro; dar uma banana para ternos caros e mulheres loiras peitudas e procurar outras coisas para fazer.

Hoje, vinte e cinco anos depois, eu não consigo deixar de pensar ao ver os Artic Monkeys vestidos de bichinhos no British Awards e ao assistir aos vídeos do CSS que eles são apenas idiotas. Não estão protestando contra nada, não são contra a sociedade de consumo ou contra o capitalismo: são apenas um bando de rematados e orgulhosos idiotas, que querem divertir o público, divertir-se e ganhar dinheiro com isso.

Nada contra, nada a favor: cada um cada um, como já dizia o filósofo Tim Maia. No entanto, será que devemos ficar felizes ao ver o rock reduzido a esse monte de bobagens? Será que todas as bandas precisam se comportar como os Mamonas Assassinas para fazer sucesso? Não há espaço para coisas mais interessantes no mainstream?

Não foi à toa que o vocalista do The Modern Lovers resolveu tocar no filme “Quem vai ficar com Mary?”, um dos maiores representantes do estilo “quanto mais idiota melhor” do cinema. Hoje, fora de contexto, os “amantes modernos” também não passam de completos imbecis. Jim Carrey, o ator símbolo do estilo no cinema, é o protótipo do imbecil cínico mais engraçado que conheço. Difícil não rir de pelo menos algum de seus filmes, difícil não se divertir com o sem sentido de “Quem vai ficar com Mary?”. Eu não me sinto mal nem culpado por isso, o problema não é esse.

Os idiotas têm direito de existir. São divertidos, são simpáticos, animam nosso domingo: eu sou o primeiro a amá-los do fundo do meu coração, rir com suas piadas, comprar seus CDs e assistir a seus shows. O problema é que os idiotas estão dominando o mundo. O problema é que hoje, quando abro o caderno de cinema no fim de semana, vejo que 90% dos filmes em cartaz são idiotas. Assisto à MTV (Ya Dog!, por exemplo, adoro!), leio o Melody Maker, a Q, e só encontro imbecilidades.

O problema não é a existência de idiotas, mas a ausência quase completa de bandas, programas e filmes que se proponham a discutir problemas graves como o direito dos homossexuais, o aquecimento global, a exploração do trabalho no terceiro mundo e tantas outras questões que foram tema do rock no passado. E não é preciso ser sério e sisudo para falar disso.

É só ouvir o Dogs Die in Hot Cars e ver como eles tratam a questão da desigualdade entre os sexos ao ritmo de ska; ouvir Futurist, de Alec Empire, e sentir com ele a raiva diante das injustiças sociais; sacudir o esqueleto com Manu Chao e ficar sabendo do problema dos clandestinos em todo o mundo. Nada contra os imbecis, mas nem só de imbecis vive o rock e o mundo. Às vezes é legal ver e ouvir alguém falando de alguma coisa que presta. Nem que seja só para variar.