10 dezembro, 2007

In Rainbows, a internet e o futuro


:: Diogo R.


Depois de muito tempo sem dizer nada, acho que o fim do ano é um bom momento para voltar à ativa. Nós começamos esse blog na mesma época do ano passado, motivados pela decepção de ter jogado muito dinheiro fora para assistir a um show meia-boca de B.B. King. Emplacamos um trecho do texto na seção de reclamações do Guia da Folha, foi um orgulho. E percebemos que a vocação da internet para descentralizar a edição de conteúdos seria um meio de entrar em contato com pessoas que compartilhavam da nossa necessidade de pensar a música.

Senti que faltou falar de In Rainbows, do Radiohead. Deveríamos ter saído do limbo naquele momento. Sempre nos propusemos a procurar os fios mais sutis ou mesmo mais reais de discos, artistas. Nosso micro-público respondia muito bem às nossas tentativas de acertar um alvo que estava além da embalagem do rock. “Falhamos” no timing do post. A venda do mais recente disco do Radiohead foi muito mais do que um jeito inovador de vender música, foi também uma inovação no que diz respeito ao status da música no mundo.

Primeiro ponto a ser explorado: o disco foi, até dezembro, lançado exclusivamente na internet. Ao contrário do que aconteceu com Hail To The Thief, que vazou um bom tempo antes do lançamento oficial, In Rainbows foi exposto somente quando a banda decidiu que era a hora. Não me lembro de outro álbum que tenha sido lançado dessa maneira antes desse.

O segundo aspecto importante é o modo como o preço do download do disco foi determinado. Isso deixou algumas mentes inquietas por algumas semanas, inclusive a minha. A tentação de usar “revolução” neste parágrafo é grande, mas deixarei as análises mais finas a cargo dos sociólogos e economistas. Porém, convenhamos, é perturbador pensar em todos os significados que isso tem. De um centavo a 100 mil libras, o consumidor, o cliente, o admirador, curioso, podia simplesmente determinar o quanto achava que um disco valia. A liberdade de atribuir valor a uma certa coisa se tornou um exercício em que a arte entrou em questão não mais como produto de um certo modo de fabricar coisas concretas, mas como um punhado de informação passível de ser avaliado sem qualquer mediação que não a da subjetividade de quem comprou In Rainbows. Que se explodam os encartes, a distribuição de material físico, o preço da gasolina, o turno da fábrica de compact discs, a Zona Franca de Manaus, os impostos. A responsabilidade era sua. Deixamos de passivamente esperar a FNAC da Paulista encomendar uma pilha de CDs para passar o cartão de débito sem ter muito o que fazer porque o preço na Saraiva e no Submarino era mais ou menos o mesmo.

Até aqui essa história deixa em êxtase qualquer um que enxerga a música como algo mais do que um produto. Agora entra o detalhe que é verdadeiramente fantástico disso tudo: a liberdade de atribuir um valor era total. Sim, total. Zero era possível também. Liberdade e responsabilidade de atribuir um valor, de dizer aos cinco homens que vivem de música o quanto o esforço deles merece receber em valores monetários. Liberdade de ter acesso ao trabalho feito, acima de tudo. In Rainbows não é um álbum (pelo menos até ser lançado em CD no ano que vem) porque álbum é algo concreto, cheio de fotos, manuseável, um pedaço de plástico que um dia vai virar entulho . O Radiohead alçou seu disco a um lugar que normalmente não pertence a álbuns, mas sim àqueles shows memoráveis que nunca mais vão ser reproduzidos, nem se forem lançados em DVD. Quem conhece o Radiohead sabe que a música deles nunca se limitou aos álbuns. A força da banda é criar música a partir do que já existe (o que está gravado), mas sem deixar que detalhes de produção limitem a execução ao vivo. In Rainbows já era conhecido de muita gente antes mesmo de sair. As faixas do disco já haviam sido executadas em shows, já circulavam em suas versões ao vivo pela internet.

Hoje em dia são poucas as bandas que ganham dinheiro vendendo discos. Percentualmente, é vergonhoso o que os artistas ganham de royalties em cima da venda de CDs. A gravadora se dá ao luxo de roubar (literalmente) partes de lotes de discos e calcula o quanto o artista recebe sem levar em conta o total de discos produzidos. O artista só recebe sobre o que é vendido de fato, não recebe sobre o que é roubado pela gravadora. Acredito que os integrantes do Radiohead sejam bem ricos hoje em dia. Montar um esquema como esse e ainda conseguir lançar um dos melhores álbuns do ano requer mais do que apenas talento. Certamente, ao abrir mão de ter uma gravadora, de distribuir os discos pelo mundo todo, o Radiohead estava apostando em outro meio de se sustentar. Seria muita falta de bom-senso arriscar tanto em uma empreitada cara só para ser diferente. A verdade é que o dinheiro de verdade está nos shows. E isso nunca faltou para o Radiohead. Eles já estão agendados nos principais festivais europeus do ano que vem.

É muito cedo para podermos ter uma noção de qual será o impacto para o resto da indústria musical. Um fato é que o Radiohead não vai sair no prejuízo com isso tudo. Dificilmente o que foi feito com In Rainbows se tornará um modelo de comercialização (pelo menos nos próximos anos). Mas o impacto foi forte em toda a cadeia produtiva da música. Esse mérito já está garantido.

Terminando o raciocínio com um exemplo que tem muito a ver com a discussão da internet como meio de acesso à “cultura”: In Rainbows foi tão supreendente que acabou sendo assunto em uma entrevista de José Padilha sobre seu filme, Tropa de Elite (que foi o principal tema de conversas de mesa de bar em 2007). Ambos, o disco e o filme, tiveram na internet seu principal meio de veiculação. A fama não veio pelos meios tradicionais, institucionalizados socialmente, de divulgação de “cultura e arte”. A minha pergunta, a dúvida que passou a me guiar depois de assistir (e de ser parte disso tudo também) é: até que ponto a arte poderá ser considerada um bem do artista? Como será possível controlar a distribuição de discos, filmes, mangás, revistas, quando temos um meio disseminador tão poderoso como a rede mundial de computadores? A questão importante é, para mim, o acesso à arte. E parece impossível limitar a Internet. Alguém já se manifestou a esse respeito: o Radiohead.

A resposta que foi dada não discute a quem pertence a gravação, nem o modo pelo qual ela se dissemina; não questiona que não se pague por uma obra. O Radiohead, de uma maneira corajosa, tirou a questão da ilegalidade formal de baixar música da Internet do centro da discussão e nos fez pensar no que significa a arte para quem de fato a aprecia.

PS: no dia de hoje o site de download de In Rainbows foi desativado. Feliz coincidência.