18 dezembro, 2007

O samba de raiz e a preguiça mental da juventude

:: Rodrigo Celso


Desde Stevie Ray Vaughan o blues não avançou um só milímetro. Continua repetindo os mesmos clichês, sem capacidade de renovar o material musical com que trabalha. O samba “de raiz”, do mesmo modo, parou em Paulinho da Viola e só faz retomar as mesmas fórmulas, cristalizadas e sem graça. Os dois estilos estacionaram e, por isso, se tornaram estéreis como a Bossa Nova para exportação, tocada por alguns artistas brasileiros ou o blues constrangedor praticado por tantos outros.

Um estilo musical estaciona quando não consegue dizer nada novo e repete os mesmos temas, sem acrescentar novos elementos à tradição. Figuras seminais como Nelson Cavaquinho e Stevie Ray Vaughan começam a rarear e o estilo passa a contar apenas com artistas médios, sem grande autonomia de vôo. É difícil explicar como isso acontece, mas podemos seguir algumas pistas.

Para ficar com os exemplos citados, pensemos inicialmente em Nelson Cavaquinho. Seus sambas falam da morte, da decadência, do envelhecimento de maneira direta e pungente, sem romance, sem drama, muito além do lugar comum. Ao invés de se dedicar a repetir histórias conservadoras de malandros e boêmios machistas e sexistas, ele tratou de temas profundos e graves, levando o samba a lugares onde ele nunca havia estado.

Stevie Ray Vaughan, por sua vez, aplicou todas inovações da guitarra de Jimi Hendrix ao blues tradicional, levando adiante o impulso inovador de Albert King. Sem deixar de tocar temas clássicos, Vaughan trouxe mais peso, velocidade e distorção ao Blues, colocando-o ao lado do rock em potência e capacidade de empolgar a juventude, sem nunca abandonar as formas tradicionais. Duas proezas notáveis, que permanecem sem par.

O assim chamado samba “de raiz”, como atualmente é conhecido, vive dos mortos. À exceção de Teresa Cristina, que se mantém num bom nível poético e musical e ensaia um caminho original, escapando da sombra poderosa e castradora de Paulinho da Viola, assistimos a um desfile de mocinhas de classe média (da Lapa ou Vila Madalena) que buscam no passado a legitimidade para seu talento medíocre. Interpretações frouxas e sem imaginação ficam lado a lado de letras repetitivas; meras paráfrases ou simples cópias de letras antigas.

O exemplo à mão é o lamentável disco novo de Maria Rita recém-convertida ao samba, na esteira de uma dezena de outras mocinhas milimetricamente desencanadas, vestidas de chita e fibras naturais, agitando os cabelos desgrenhados e os colares de semente e pedras coloridas. Bonitinhas (mesmo sem nenhuma maquiagem!), mas ordinárias. Bom para ouvir no elevador, muito bom como som ambiente em uma feijoada, mas não dá para levar a sério.

Nelson Cavaquinho tinha um problema artístico claro e difícil: como cantar a morte, a decadência física, a destruição? Stevie Ray Vaughan idem: como tocar guitarra, especialmente no Blues, um estilo cristalizado e repleto de formas fixas, depois de Jimi Hendrix? Essas moças (lindinhas, lindinhas), só querem ser bacanas, enturmar-se com os “bambas”; com o “pessoal da pesada” e curtir a música invertebrada delas.

Falta raça, falta transcendência, falta uma questão, um problema, um desafio do mesmo quilate daquele enfrentado por Nelson Cavaquinho. Mas enfim, elas só querem cantar bonitinho e nos agradar! Melhor eu deixar de ser chato e apenas curtir, não é mesmo?