O lançamento oficial do primeiro disco do The Black and White Years é no dia dois de fevereiro. Ainda não se sabe quais serão as faixas, mas a tendência é que muitas das que apareceram em Real! In Color! (o EP que compramos pela internet) devem se repetir. No Myspace já estão disponíveis as regravações de Power To Change e Everyone.
Se já sabemos que o novo CD dos texanos está para sair e o acesso a ele está garantido (o Rodrigo Celso já fez um pre-order) qual é o objetivo de fazer uma resenha detalhada de um simples EP que logo ficará esquecido? Bom, primeiro para que ele não fique tão esquecido assim. Se fosse necessário lançar o material que o The Black and White Years já tem, sem regravar nada para cortar custos, a qualidade seria ainda assim acima da média. Além de serem ótimos letristas e compositores, o trio do Texas sabe gravar muito bem. Outro motivo para essa resenha tardia e ao mesmo tempo adiantada é o fato de que a força da banda não reside somente na qualidade da parte instrumental. O que vai permitir que ela sobreviva ao lançamento do disco propriamente dito é que se baseia na força dos temas tratados nas letras. No máximo, vai ser necessário um complemento caso exista alguma faixa nova. Porém, nota-se que o The Black And White Years já tem uma temática própria. E eles ainda nem lançaram o primeiro disco!
In a Book é um desabafo sobre a frustração do ato de escrever. As nossas tentativas de encadeamento de palavras, seja em um livro, seja em canções, são constantemente frustradas pelas críticas dos nossos amigos e pelas opiniões dos outros. O medo de dizer a coisa errada da maneira errada está presente aqui, o medo da exposição. É um modo original de se apresentar ao ouvinte: fazer ressalvas ao que vai se seguir e ao modo como o disco será ouvido. Pode parecer cauteloso demais ou até medroso, mas conforme se desdobram as canções percebe-se que algumas afirmações dos The Black and White Years podem acabar incomodando quem está acostumado a um rock que não se presta muito a pensar. Há mais informação do que de costume tanto nas letras quanto no instrumental. O cartão de visitas da primeira faixa fica ainda mais claro por causa da guitarra ao estilo Johnny Cash que guia a melodia, afinal, quem vive no Texas não pode estar imune à música country.
Logo em seguida vem o tal do incômodo: Power To Change. Um certa lembrança de reggae, electro e guitar rock se misturam a uma letra incomum. Não se trata de falar sobre a mudança na política, mas de mostrar (talvez de maneira irônica) que a evolução do homem, tanto no sentido social como no biológico, não necessariamente fez dele um ser melhor do que os animais. A letra passa por esse processo evolutivo e chega ao final dele mais descrente do que estava no começo; primeiro ele diz que nós temos o poder de mudar, depois ele espera que tenhamos o poder de mudar. Mas mudar o quê? Esse elo não está claro, mas é fácil perceber o pessimismo em relação à natureza humana. Podemos (e tomara que seja realmente possível) mudar nossa natureza sádica e animalesca, individualista, que só atende a impulsos de sobrevivência. As ressalvas de In a Book começam a fazer sentido.
Bom, somos como os animais e como eles, iremos morrer. Diferente deles, sabemos que vamos morrer. Podemos deixar este mundo a qualquer momento. A nossa miséria e a nossa salvação virão quando morrermos. O mundo gira em torno do fato inegável de que não mais estaremos aqui no futuro. Não há o que impeça isso. Qual é a nossa reação frente a essas certezas? Negá-la. "When the gloomy truth arrives, everyone denies" (Quando a triste verdade chega todos negam). Difícil pensar em outra maneira de viver. A maior balela do mundo é aquela frase do senso comum que diz "viva todo dia como se fosse o último". Seja por causa das contas do fim do mês ou de alguma promessa de vida eterna, nós não podemos esquecer do amanhã. Um grande paradoxo, não? Sabemos que tudo terá fim, que o que estamos fazendo neste instante (você lendo este texto, eu, escrevendo-o) pode ser simplesmente uma perda de tempo. Poderíamos todos estar aproveitando os nossos últimos instantes, mas não temos a certeza de que serão mesmo os nossos últimos. Tudo o que temos é a dúvida.
Esse é um contraste forte que permeia todo o disco: a vida e a morte e os conflitos que as duas engendram. Pode-se pensar a vida como o terreno da possibilidade e a morte como o terreno do impossível, do que não pode ser realizado, a imobilidade total. Forcemos a barra e a vida pode ser o branco, a existência de todas as cores; o preto, a ausência absoluta de cor. Acho que é uma boa possibilidade de interpretação.
Ainda no terreno das dualidades como ponto de partida para pensar a vida, Waking/Dreaming não só coloca essas duas possibilidades opostas juntas no título da canção, como as coloca separadas apenas por uma barra que não as deixa estabelecer qualquer tipo de relação. É quase uma separação física. Aqui, a dualidade é um momento de confusão em que não se sabe mais qual é diferença entre estar acordado (a "verdade", o "real") e sonhar (o que não é real, o inventado). Isso é um problema. Deveria ser possível entender a diferença entre viver de verdade e fingir. "I can't be happy unless I make believe" (Não posso ser feliz a menos que eu imagine [que sou feliz]). As duas realidades, tão separadas, tão incompatíveis, estão misturadas e isso é perturbador. Essa separação entre o real o não-real aparece em outros momentos do disco. Em You Are a Dragon, fala-se de uma mulher que é um modelo de excelência e perfeição, alguém que é perfeita demais para ser verdadeira. Perfeição de uma deusa, como Atena ("You are Athena"). Porém, na mitologia grega, sabemos que os deuses estão longe de serem modelos. Eles mentem, roubam, matam, misturam-se ao humanos muitas vezes. Os deuses são filhos de Zeus, têm poderes especiais , mas não são, como é o deus cristão, algo que não possa falhar. Ao invocar essas imagens gregas, o The Black and White Years talvez esteja brincando com a obsessão que temos em tratar de coisas que não entendemos de uma maneira idealizada.
Rodrigo Celso disse, em um texto anterior, que as novas cantoras da MPB não têm a menor graça porque não apresentam aos ouvintes nenhum problema artístico. Isso certamente não falta ao The Black And White Years. Existe uma linha de pensamento em Real! In Color! Há assuntos a serem abordados, questões que são postas na mesa. A banda têm uma opinião sobre o mundo que é identificável. Eles assumem uma posição frente ao que estão expondo. São muito ricos os temas apresentados e também a maneira como eles são tratados. O The Black and White Years tem uma densidade muito rara de se encontrar hoje em dia. As comparações com o Talking Heads são precoces, mas não injustificadas.
Se já sabemos que o novo CD dos texanos está para sair e o acesso a ele está garantido (o Rodrigo Celso já fez um pre-order) qual é o objetivo de fazer uma resenha detalhada de um simples EP que logo ficará esquecido? Bom, primeiro para que ele não fique tão esquecido assim. Se fosse necessário lançar o material que o The Black and White Years já tem, sem regravar nada para cortar custos, a qualidade seria ainda assim acima da média. Além de serem ótimos letristas e compositores, o trio do Texas sabe gravar muito bem. Outro motivo para essa resenha tardia e ao mesmo tempo adiantada é o fato de que a força da banda não reside somente na qualidade da parte instrumental. O que vai permitir que ela sobreviva ao lançamento do disco propriamente dito é que se baseia na força dos temas tratados nas letras. No máximo, vai ser necessário um complemento caso exista alguma faixa nova. Porém, nota-se que o The Black And White Years já tem uma temática própria. E eles ainda nem lançaram o primeiro disco!
In a Book é um desabafo sobre a frustração do ato de escrever. As nossas tentativas de encadeamento de palavras, seja em um livro, seja em canções, são constantemente frustradas pelas críticas dos nossos amigos e pelas opiniões dos outros. O medo de dizer a coisa errada da maneira errada está presente aqui, o medo da exposição. É um modo original de se apresentar ao ouvinte: fazer ressalvas ao que vai se seguir e ao modo como o disco será ouvido. Pode parecer cauteloso demais ou até medroso, mas conforme se desdobram as canções percebe-se que algumas afirmações dos The Black and White Years podem acabar incomodando quem está acostumado a um rock que não se presta muito a pensar. Há mais informação do que de costume tanto nas letras quanto no instrumental. O cartão de visitas da primeira faixa fica ainda mais claro por causa da guitarra ao estilo Johnny Cash que guia a melodia, afinal, quem vive no Texas não pode estar imune à música country.
Logo em seguida vem o tal do incômodo: Power To Change. Um certa lembrança de reggae, electro e guitar rock se misturam a uma letra incomum. Não se trata de falar sobre a mudança na política, mas de mostrar (talvez de maneira irônica) que a evolução do homem, tanto no sentido social como no biológico, não necessariamente fez dele um ser melhor do que os animais. A letra passa por esse processo evolutivo e chega ao final dele mais descrente do que estava no começo; primeiro ele diz que nós temos o poder de mudar, depois ele espera que tenhamos o poder de mudar. Mas mudar o quê? Esse elo não está claro, mas é fácil perceber o pessimismo em relação à natureza humana. Podemos (e tomara que seja realmente possível) mudar nossa natureza sádica e animalesca, individualista, que só atende a impulsos de sobrevivência. As ressalvas de In a Book começam a fazer sentido.
Bom, somos como os animais e como eles, iremos morrer. Diferente deles, sabemos que vamos morrer. Podemos deixar este mundo a qualquer momento. A nossa miséria e a nossa salvação virão quando morrermos. O mundo gira em torno do fato inegável de que não mais estaremos aqui no futuro. Não há o que impeça isso. Qual é a nossa reação frente a essas certezas? Negá-la. "When the gloomy truth arrives, everyone denies" (Quando a triste verdade chega todos negam). Difícil pensar em outra maneira de viver. A maior balela do mundo é aquela frase do senso comum que diz "viva todo dia como se fosse o último". Seja por causa das contas do fim do mês ou de alguma promessa de vida eterna, nós não podemos esquecer do amanhã. Um grande paradoxo, não? Sabemos que tudo terá fim, que o que estamos fazendo neste instante (você lendo este texto, eu, escrevendo-o) pode ser simplesmente uma perda de tempo. Poderíamos todos estar aproveitando os nossos últimos instantes, mas não temos a certeza de que serão mesmo os nossos últimos. Tudo o que temos é a dúvida.
Esse é um contraste forte que permeia todo o disco: a vida e a morte e os conflitos que as duas engendram. Pode-se pensar a vida como o terreno da possibilidade e a morte como o terreno do impossível, do que não pode ser realizado, a imobilidade total. Forcemos a barra e a vida pode ser o branco, a existência de todas as cores; o preto, a ausência absoluta de cor. Acho que é uma boa possibilidade de interpretação.
Ainda no terreno das dualidades como ponto de partida para pensar a vida, Waking/Dreaming não só coloca essas duas possibilidades opostas juntas no título da canção, como as coloca separadas apenas por uma barra que não as deixa estabelecer qualquer tipo de relação. É quase uma separação física. Aqui, a dualidade é um momento de confusão em que não se sabe mais qual é diferença entre estar acordado (a "verdade", o "real") e sonhar (o que não é real, o inventado). Isso é um problema. Deveria ser possível entender a diferença entre viver de verdade e fingir. "I can't be happy unless I make believe" (Não posso ser feliz a menos que eu imagine [que sou feliz]). As duas realidades, tão separadas, tão incompatíveis, estão misturadas e isso é perturbador. Essa separação entre o real o não-real aparece em outros momentos do disco. Em You Are a Dragon, fala-se de uma mulher que é um modelo de excelência e perfeição, alguém que é perfeita demais para ser verdadeira. Perfeição de uma deusa, como Atena ("You are Athena"). Porém, na mitologia grega, sabemos que os deuses estão longe de serem modelos. Eles mentem, roubam, matam, misturam-se ao humanos muitas vezes. Os deuses são filhos de Zeus, têm poderes especiais , mas não são, como é o deus cristão, algo que não possa falhar. Ao invocar essas imagens gregas, o The Black and White Years talvez esteja brincando com a obsessão que temos em tratar de coisas que não entendemos de uma maneira idealizada.
Rodrigo Celso disse, em um texto anterior, que as novas cantoras da MPB não têm a menor graça porque não apresentam aos ouvintes nenhum problema artístico. Isso certamente não falta ao The Black And White Years. Existe uma linha de pensamento em Real! In Color! Há assuntos a serem abordados, questões que são postas na mesa. A banda têm uma opinião sobre o mundo que é identificável. Eles assumem uma posição frente ao que estão expondo. São muito ricos os temas apresentados e também a maneira como eles são tratados. O The Black and White Years tem uma densidade muito rara de se encontrar hoje em dia. As comparações com o Talking Heads são precoces, mas não injustificadas.
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