:: Rodrigo Celso
O amor está sempre além, como o desejo. Além dos limites da cidade, para além de nosso alcance, muito além de nossos sonhos. Por isso o desencontro é sua regra: não há saída para os amantes para além da eterna procura. O desejo vive da insatisfação, como o amor: trata-se apenas de aprender a suportar a dor.
Os amantes de “Stella Maris”, canção da banda alemã Einstürzende Neubauten que consta do disco Ende Neu de 1996, sonham um com o outro e também sonham que irão se encontram em algum ponto da Terra, em algum ponto do sonho ou da realidade. Por isso, percorrem incessantemente todos os seus cantos, do K9 aos dois pólos, passando pela Terra do Fogo e pelo Monte Everest, à procura um do outro.
A melodia, repetitiva e climática, remete a uma atmosfera de sonho e melancolia, explorando as possibilidades emotivas que a música minimalista e serial de Philip Glass e John Adams ilustra tão bem. O baixo sempre em destaque, característico nas canções do Einstürzende, reforça o caráter percussivo e circular da canção, que sempre retorna ao ponto inicial.
As cordas, em aparente tensão com a linha do baixo, parecem vagar com menos rigor e mais leveza, variando acordes e tonalidades. Mas a variação é falsa: as frases, apesar de longas e sinuosas, também se repetem, como a linha do baixo, e terminam por se encontrar com ele, soando em uníssono, assim que entra a percussão, linear e seca como o som de um pedaço de madeira que bate contra uma placa de zinco.
As duas vozes, baixo e cordas, procuram uma à outra no espaço da canção, mas só se encontram na busca, em paralelo, por uma solução melódica e existencial que nunca chega. A canção termina abruptamente, pois poderia estar começando. Seria indiferente terminar ou repetir mais um de seus ciclos; mais um de seus movimentos circulares, como os amantes da letra que percorrem o mundo todo repetidamente sem conseguir encontrar seu amor sequer em seus sonhos. A letra cantada em dueto, reforça a dualidade e os desencontros que a canção figura.
Será que o amor existe? Será que os amantes, eles mesmos, podem ter certeza de sua existência? Amor e desejo, que de tanto nos mostrarem o que falta em nossas vidas, podem nos convencer de que ela nunca fará sentido, de que seremos sempre essa falta, que pulsa e se desespera, inconformada em viver separada do que não sabe se um dia irá existir. Exatamente assim, é preciso viver.
O Einstürzende, como todo grande artista, não está aqui para aliviar o fardo de nossa existência. Prefere fazê-la doer e, tornando-a assim tão nítida e lancinante, tenta nos convencer a persistir na busca com algum otimismo e sentindo o prazer que nasce deste embate entre o desejo insaciável e o mundo das possibilidades infinitas:
“Don't worry, I'll find you
Before you wake up yourself
Collared in a doze I'll grab you
And pull you towards me
For you dream me, I you
I dream you, you me
We dream each other awake”
Não há como fugir disso tudo. Trata-se de vivê-lo.
NOTA:
O Einstürzende Neubauten nasceu no final da década de 70 como uma banda de rock industrial que tocava canos, furadeiras, máquinas de lixar entre outros elementos da civilização industrial, e cantava letras complexas e pessimistas que falavam de assuntos pouco afeitos ao mundo pop. Hoje, é difícil caracterizá-los como uma banda de rock: eles são apenas músicos que gravaram mais de uma dezena de discos de altíssima qualidade em mais de 20 anos de carreira, além de versões de Fausto de Goethe e Hamletmaschine de Heiner Müller. São freqüentadores constantes deste blog.
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