08 outubro, 2008

O passado nunca termina [Fleet Foxes, The Bees]

:: Rodrigo Celso


As bandas de rock atuais estão abolindo a idéia de passado e reinventando o que significa seguir uma tradição. Todas as fases do rock encontram hoje correspondentes diretos; do rockabilly ao grunge, passando pela psicodelia, pelo rock progressivo e pelo punk; todos convivendo harmonicamente com influências da música eletrônica, funk, folk, country, jazz etc. Tentar traçar uma linha reta que leve de Bill Haley a Muse; de Elvis a Modest Mouse, de The Beatles a Beck é pura perda de tempo.


Uma banda de hoje pode suceder diretamente Buddy Holly ou Kinks; Velvet Underground ou Mudhoney, a escolher, sem deixar de soar interessante e moderna. Claro, ainda há veículos de comunicação que buscam um “futuro para o rock” e tentam colocar nas mãos de uma banda ou de um artista a tocha sagrada, supostamente capaz de levar o estilo ‘adiante’.


Eu acho isso tudo uma grande bobagem; pior, sinal da incapacidade de entender o que está acontecendo na música mundial. Não há mais tocha ou maratona a ser vencida: os estilos se fragmentaram e inverteram a linha do tempo sem, surpreendentemente, perder a coesão e a organicidade.


Para entender o que se passa, é preciso deixar de lado qualquer narrativa linear em que uma banda sucede a outra e um movimento sucede o outro como numa fila indiana. É bem melhor pensar a musica como um conjunto de constelações de artistas que giram em torno de algumas referências seminais; constelações em que artistas de 30 anos atrás convivem com bandas recém-formadas sem qualquer ruído ou conflito. A eternidade chegou para todos. Ao mesmo tempo.


Uma evidência do que estou dizendo é o retorno constante das mais diversas bandas dos mais diferentes estilos. Não se trata apenas de voltar à ativa para ir atrás de um último dinheirinho. Claro, isso também está em jogo,. Mas acho que o presente do rock está ficando tão rico, plural, descentrado e internacional, que não se pode prescindir de mais nada. Toda banda, mesmo mediana, terá seu espaço e sua eternidade nesse presente eterno de imagens simultâneas cada vez mais interessante.


Fleet Foxes e The Bees são dois exemplos concretos do que estou dizendo. Os primeiros escolheram ser sucessores dos Beach Boys e de Crosby, Still, Nash & Young; os segundos, dos Beatles. Duas bandas emocionantes que, apesar de inspiradas diretamente no passado, não soam datadas ou passadistas. É música atual, que fala de temas e problemas contemporâneos.


Os Foxes e os Bees fazem música rica em harmonias e texturas, pensada para soar bem. Nada da agressividade do punk ou da breguice emotiva de boa parte da
música atual. As canções emocionam pela beleza e pelos temas, pela riqueza dos arranjos, pela execução dos instrumentos e pela abundância de idéias musicais. Vale a pena ouvir com cuidado, prestando atenção nas nuances e pensando na eternidade de um passado que, a partir de agora, não tem hora certa para terminar.