01 novembro, 2008

O Sonho não acabou [Beirut, Eisntürzende Neubauten]


:: Rodrigo Celso


O recém lançado disco solo de Jochen Arbeit, guitarrista do Einstürzende Neubauten, ARBEIT : SOLO, segue na mesma direção do filme “Crossing the Bridge: The Sound of Istambul” dirigido por Faith Akin e protagonizado pelo baixista da banda, Alexander Hacke: o oriente. Mas nem o documentário nem o disco olham para o leste do globo em busca do exótico. Akin mostra bandas de rock progressivo e alternativo, rappers e artistas tradicionais num contínuo e com o mesmo destaque. Arbeit utiliza a seriação típica do Einstürzende para criar climas inusitados, utilizando instrumentos diferentes, especialmente cordas, que abusam da dissonância. No fundo, trata-se de perceber, como sempre, que o “outro” não é tão estranho assim. Mais do que isso, ele é tão parecido, que às vezes se confunde com nós mesmos.


Quem assistiu o filme de Jean Luc Goddard, “One Plus One" (1968) sobre os Rolling Stones, deve estar começando a desconfiar do sentido disso tudo. Goddard mostra, num documentário sobre dois dias de gravação dos Stones, como o diálogo social, especialmente sobre questões raciais, que estava bloqueado na sociedade, ocorria na música. Cenas de ficção, entremeadas a imagens dos Stones, retratam diversos movimentos sociais da época, inclusive militantes marxistas e panteras negras, autocentrados em discursos agressivos, unilaterais e sem espaço para negociação.


O filme acompanha dois dias de gravação de “Sympathy for the devil”. No primeiro, a canção é uma balada sem graça, cantada sem muito entusiasmo por Jagger. No segundo, irreconhecível, a canção toma sua forma final de clássico do rock. Tal transformação inacreditável, ocorrida diante dos olhos dos espectadores, se deveu a uma única coisa: a incorporação de percussão africana ao arranjo, elemento que acaba interferindo no andamento, textura e clima da canção.


Para Goddard, o diálogo musical que transformou completamente a música dos Stones, é um modelo ideal que a sociedade, naquele momento histórico, não pretendia ou simplesmente não era capaz de seguir. Afinal, os Stones não estavam em busca do entendimento entre as raças, não se tratava de um projeto político. A necessidade de expressão estética levou ao diálogo: a mistura de elementos negros e brancos nasceu naturalmente da atividade de pesquisa musical.


Enquanto isso no campo político, espaço que deveria ser dedicado aos assuntos da pólis, ao diálogo, à busca de entendimento, tudo conspirava para o conflito, o radicalismo, a guerra. A decorrência natural das posturas que Goddard apresenta em seu filme seria, certamente, a polarização entre amigos e inimigos. O que pensar de uma política, cujo desfecho normal é a guerra? Uma política que deixa de lado seu objetivo central e passa a explorar diferenças supostamente inconciliáveis, abdicando do projeto de construir zonas de acordo entre os homens? Para que ela serve?


Hoje o grande “estranho”, o “outro” é o oriente, pelo menos aos olhos dos radicais orientais e ocidentais. Claro, olhado de perto, esse “outro” não é tão estranho assim, como mostram Faith Akin, Jochen Arbeit e Alexander Hacke. Tal constatação é evidentemente incômoda para qualquer posição radical, pois desarma discursos unilaterais e dificulta a caracterização do outro como inimigo. Aparentemente, como nos anos 60, a música continua cumprindo seu papel.


Diversas outras bandas estão fazendo o caminho do leste, sem pensar exatamente em mudar o mundo, sem construir um projeto político, apenas em nome de sua sensibilidade. Um exemplo importante é Beirut, conjunto do Novo México, EUA, resultado da colaboração entre Jeremy Barnes do Neutral Milk Hotel e Heather Trost do A Hawk and a Hacksaw de Budapeste.


Conheci a banda por recomendação de um amigo alemão que jurava que ela fosse de Beirute mesmo, nunca um projeto paralelo de músicos de rock alternativo. Os sons do oriente fizeram o caminho contrário, inspirando o Beirut com seus trompetes e ukeleles, em plenos Estados Unidos. Vale a pena ouvir e sentir a melancolia presente em quase todas as canções da banda, e depois sonhar que estes fenômenos estéticos possam ajudar a melhorar o nível de nossa política. Afinal, sonhar sempre vale a pena.


Jochen Arbeit: http://www.myspace.com/jochenarbeit


Beirut: http://www.myspace.com/beruit