:: Jose Rodrigo Rodriguez
“Que tipo de som você gosta?”
“Muitas coisas, mas cresci ouvindo Rock. Isso é o básico.”
“Legal? O que gosta de Rock brasileiro?”
“Bom, eu adorava o Vzyadoq Moe. Ouvi muito os primeiros discos do De Falla, Violeta de Outono. Putz, também aquela coletânea em homenagem ao Arnaldo Baptista, “Sanguinho Novo”. O Fellini tocando “Loki”… Eu adoro aquilo. Olho Seco. Eu não era punk, mas achava impressionante o som deles. Comecei por aí…”
“Ahn..? O que?”
Tive diálogos como esse dezenas de vezes nos últimos tempos. A partir deste ponto da conversa, a saída é o silêncio, a mudança brusca de assunto, ou a menção de bandas como Titãs, Paralamas, Legião Urbana que eu NÃO ouvia e NÃO gostava na época. Hoje, mais tolerante com o mundo POP, até curto. Mas para quem gostava de Rock entre o final dos anos 80 e anos 90, esse povo fazia música POP e ia ao Chacrinha para ganhar dinheiro. Não havia nada de transgressivo naquilo. Sonzinho coxa para as massas. Renovaram o POP, mas eram a retaguarda do Rock.
E os caras podiam cheirar e fumar baseado o quanto quissessem (desde quando ser louco é trangressão?): seu som era comercial na veia. Fácil de ouvir, fácil de engolir, fácil de mostrar para a mãe e para o pai. Talvez à exceção do IRA! (parente em primeiro grau da cena underground paulistana), Lobão e Barão Vermelho, havia tanto roquenroll no assim denominado “Rock Brasil” quanto existem pessoas ponderadas e conciliadoras na Al-Qaeda. Que existem, existem, mas tem que procurar com lupa.
Sempre que mantenho diálogos como o que mostrei acima, é difícil evitar a sensação de ter tido meu passado roubado. A história do Rock brasileiro tem sido escrita apenas do ponto de vista do mainstream, do que fazia sucesso, especialmente depois dos anos 70, quando se forma, de fato, a indústria cultural. A cena underground dos 80 e 90 (rock e punk), o rock psicodélico brasileiro dos anos 60 e 70 (um mundo a ser descoberto) e tantas outras coisas, são deixadas de lado, seja porque as pessoas têm preguiça de pesquisar, seja porque querem apenas falar do que pode dar certo. Ou do que pôde dar certo. Traçam uma linha reta que vem da Jovem Guarda (outro movimento POP) , passa pela Blitz e termina na cuticuti da Mallu Magalhães, sem olhar atalhos ou desvios. Mas a história não é feita de linhas retas.
O resultado é a predominância do POP, da música fácil e comercial, na história do nosso roquenroll. Do ponto de vista pessoal, isso resulta em eu não ter com quem partilhar e conversar sobre coisas que tomavam (e ainda tomam) muito tempo da minha vida. Pois à exceção de alguns gatos pingados, quase ninguém sabe que essas banda existiram e fizeram parte de uma cena forte, ao largo do “Rock-POP-Brasil-COXA”, cuja história ainda não foi contada. Começa a haver voluntários para desfazer esta hegemonia da musica facinha: vejam o texto anterior do Diogo. Algumas destas bandas voltaram a tocar, voltaram a despertar interesse. Shows recentes de Fellini, Smack, Mercenárias, Harry, Violeta (que nunca parou). Talvez a ficha comece a cair agora, quinze anos depois…
Seria genial. Especialmente neste momento, em que a internet e o barateamento dos custos de gravação abrem espaço para se fazer música não comercial sem precisar vender a mãe e/ou as cuecas. Casas de show aparecem, um novo circuito, talvez alguma grana, mesmo que não sejam milhões. Todos sabem que o undergound praticamente morreu, ao menos no Brasil, lá pelo final dos anos 90. O que temos hoje, quase sem exceção, são bandas que almejam fazer sucesso e bandas que já fazem sucesso.
Convenhamos: quando o projeto de vida de alguém, logo de saída, é aparecer na Globo e sair na Veja, tudo está perdido. Afinal, ninguém sai na Veja ou aparece na Globo impunemente: tem que diluir a mensagem, simplificar a expressão, situar-se rente ao lugar comum, falar de coisas anódinas com todo o cuidado para não ofender a maioria e perder audiência, ou seja, é preciso virar um coxa.
Nada de errado com isso, só não dá para entrar nesse jogo e reinvindicar o título de transgressor. Lamento, mas não dá mesmo. Não se pode ter tudo na vida. Como eu gosto de diversidade na música, acho que o mundo fica mais interessante quando mainstream e underground convivem, trocam experiências, modificam um ao outro. Aparentemente, isso está acontecendo de novo, ou pode vir a acontecer. Talvez eu esteja otimista demais…
Mas o fato é que se pararem de surgir bandas como Velvet Undergroung, The Stooges, Einstüerzende Neubauten, Cabaret Voltaire, Sonic Youth, Vzyadoq Moe, Throbbing Gristle, Olho Seco, As Mercenárias, Smack, o mundo vai perder o sentido para mim e o Rock vai ser dominado pelos Dinhos Ouros Pretos dessa vida, hoje reencarnados ainda em vida nos EMOs, na cuticuti da Mallu e em Tatá Aeroplano. Não me entendam mal: todos têm o direito de existir e se divertir como músicos de roquenroll. O que me assusta é a perspectiva de padronização e “coxinização”.
Por isso é importante contar essa história esquecida. De novo, Caetano Veloso pegou as coisas no ar. No momento crucial, percebeu, com “Cê” e “zie e zii”, que um dos modelos disponíveis de transgressão está nesse veio, o undergound dos anos 80 e 90, que ocorreu no mundo todo e no qual o Brasil tem uma honrosa inscrição. Os caras criaram selos, fizeram revistas, fundaram clubes, ou seja, se apropriaram dos meios de produção cultural para fazer uma música diferente, ao largo dos esquemões das gravadoras. Ouçam as bandas que acabei de mencionar e tantas outras, que vocês vão descobrir se forem fuçando por aí, depois digam se estou errado.
O mundo está melhorando!
Mas será mesmo?
Para Fabíola e Felipe
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